quinta-feira, 14 de abril de 2011

Em face da morte...

S. Nisargadatta Maharaj . Sinais do Absoluto

Visitante: Meu filho único morreu há alguns dias em um acidente de carro, e eu achei quase impossível aceitar sua morte com uma coragem filosófica. Sei que não sou a primeira pessoa a sofrer tal perda. Também sei que cada um de nós terá que morrer algum dia. Tenho buscado alívio em minha mente recorrendo a todos os truques usuais pelos quais nos consolamos uns aos outros em tais situações. E, ainda assim, volto ao fato trágico de que um destino cruel privou de tudo o meu filho, na flor da juventude. Por quê? Por quê? Pergunto-me todo o tempo. Mestre, não posso superar minha dor.

Maharaj: É inútil e fútil dizer que eu estou aflito, pois, na ausência do ‘eu’  não há ‘outros’, e me vejo refletido em todos vocês. Obviamente, você não veio a mim buscando mera simpatia, a qual você deve ter recebido em abundância de seus parentes e amigos. Lembre-se, vai-se pela vida, ano após ano, apreciando os prazeres habituais e sofrendo as dores normais, mas sem nunca ver a vida uma vez sequer em sua verdadeira perspectiva. E o que seria esta verdadeira perspectiva? Seria isto: Não há nenhum ‘eu’, nenhum ‘você’; não podem existir tais entidades. Todo homem deverá entender isto e ter a coragem para viver sua vida com esta comprensão.

Você tem esta coragem, meu amigo? Ou, você se dedicará inteiramente ao que você chama de seu pesar?

V: Maharaj, perdoe-me, não entendi inteiramente o que você disse, mas me sinto assustado e chocado. Você expôs a essência de meu ser, e o que você disse de forma tão resumida parece ser a regra de ouro para a vida. Por favor, poderia explicar com mais detalhes o que você disse? O que exatamente deverei fazer?

M: Fazer? Fazer? Absolutamente nada: Apenas veja o transitório como transitório, o irreal como irreal, o falso como falso, e você compreenderá sua verdadeira natureza. Você mencionou o seu pesar. Você já olhou para o ‘pesar’ face a face e tentou entender o que ele realmente é?

Perder alguém ou alguma coisa que você amou muito causará aflição. E, desde que a morte é a aniquilação total, com irrevogabilidade absoluta, a aflição causada por ela não será suavizada. Mas, mesmo uma esmagadora aflição não poderá durar muito, se você a analisar intelectualmente. O que é exatamente que o aflige? Volte para o início: você e sua esposa concordaram com alguém que teriam um filho – um corpo particular – e que ele teria um destino determinado? Não é um fato que a própria concepção foi um acaso? Que o feto tenha sobrevivido a muitos perigos no útero foi outro acaso. Que a criança era um menino foi outro acaso. Em outras palavras, o que você chamou seu ‘filho’ foi apenas um evento ocasional, um acontecimento sobre o qual você não teve qualquer controle em qualquer momento, e, agora, aquele evento chegou ao fim.

O que é exatamente que você lamenta? Lamenta acaso pelas poucas experiências agradáveis e pelas muitas outras desagradáveis que seu filho perdeu nos anos por vir? Ou, você está, real e verdadeiramente, lamentando pelos prazeres e amenidades que você não mais receberá dele?

Lembre-se, tudo isto é do ponto de vista do falso! Acompanhou-me até aqui?

V: Estou assustado, e continuo abalado. Certamente, segui o que você disse. Apenas não entendi o que você quis dizer quando disse que tudo isto era do nível do falso?

M: Ah! Agora passaremos ao verdadeiro. Entenda, por favor, como verdadeiro, o fato de que você não é um indivíduo, uma ‘pessoa’. A pessoa, aquela que se pensa que se é, é apenas um produto da imaginação, e o ser é a vítima desta ilusão. A ‘pessoa’ não pode existir por si mesma. É o ser, a consciência, que erroneamente acredita que exista uma pessoa e que é consciente de sê-la. Mude seu ponto de vista. Não olhe o mundo como algo externo a você mesmo. Veja a pessoa que você imagina ser como uma parte do mundo – realmente um mundo de sonhos – o qual você percebe como uma aparência em sua consciência, e olhe para todo o espetáculo de fora. Lembre-se, você não é a mente, a qual não é senão o conteúdo da consciência. Enquanto você se identificar com o corpo-mente, será vulnerável à aflição e ao sofrimento. Fora da mente há apenas ser, não ser pai ou filho, isto ou aquilo.

Você está além do tempo e do espaço, em contato com eles apenas no ponto do aqui e do agora, mas, de outra forma, é atemporal, ilimitado e invulnerável a qualquer experiência. Entenda isto e não se lamente mais. Uma vez que compreenda que não há nada no mundo que você possa ou necessite chamar seu próprio, você olhará para ele do exterior, como veria uma peça em um palco ou um filme sobre a tela, admirando e apreciando, talvez sofrendo, mas, no fundo, completamente impassível.


***

Não subestime a Atenção - Eu Sou Aquilo

Pergunta: Como eu o vejo, você parece ser um homem pobre, com meios muito limitados, enfrentando todos os problemas da pobreza e da velhice, como os demais homens.

Maharaj: Se eu fosse rico, que diferença isto faria? Eu sou o que eu sou. De que outra maneira poderia ser? Não sou rico nem pobre, sou eu mesmo.

P: Ainda assim, você também experiencia prazer e dor.

M: Experiencio-os na consciência, mas não sou nem a consciência nem seu conteúdo.

P: Você diz que, em nosso ser real, somos todos iguais. Como é que sua experiência é tão diferente da nossa?

M: Minha experiência real não é diferente. O que difere é minha atitude e minha avaliação. Eu vejo o mesmo mundo que você vê, mas não do mesmo modo. Não há nada de misterioso nele. Todos veem o mundo através da ideia que têm de si mesmos. Segundo o que acredita que você é, assim pensará que o mundo é. Se você se imaginar como separado do mundo, o mundo aparecerá como separado de você, e você experienciará o desejo e o medo. Eu não vejo o mundo como separado de mim e, portanto, não há nada a desejar ou temer.

P: Você é um ponto de luz no mundo. Nem todo mundo o é.

M: Não há absolutamente nenhuma diferença entre mim e os demais, exceto em que eu me conheço como eu sou. Eu sou tudo. Sei disto com toda a certeza e você não.

P: Portanto dá no mesmo se diferimos ou não.

M: Não, não fazemos assim. A diferença está apenas na mente e é temporária. Eu era como você, você será como eu.

P: Deus fez um mundo muito diversificado.

M: A diversidade só existe em você. Veja-se como é e verá o mundo como ele é – um só bloco de realidade, indivisível, indescritível. Seu próprio poder criativo projeta sobre ele uma imagem e todas suas perguntas se referem a essa imagem.

P: Um Iogue tibetano escreveu que Deus cria o mundo com um propósito e o governa de acordo com um plano. O propósito é bom e o plano, muito sábio.

M: Tudo isto é temporário; eu estou tratando com o eterno. Os deuses e seus universos vêm e vão, os avatars se sucedem uns aos outros sem cessar e, no final, regressamos à origem. Eu falo apenas da origem atemporal de todos os deuses com todos os seus universos, passados, presentes e futuros.

P: Você os conhece todos? Lembra deles?

M: Quando algumas poucas crianças montam uma brincadeira para divertir-se, o que há aí para ver e recordar?

P: Por que a metade da humanidade é masculina e a outra feminina?

M: Para a felicidade de todos. O impessoal  se converte no pessoal  para que haja felicidade na relação. Pela graça de meu Guru, posso ver, com o mesmo olho, tanto o impessoal quanto o pessoal. Ambos são um para mim. Na vida, o pessoal se funde ao impessoal.

P: Como o pessoal emerge do impessoal?

M: Os dois são apenas aspectos da única realidade. Não é correto dizer que um precede o outro. Todas estas ideias pertencem ao estado de vigília.

P: O que traz o estado de vigília?

M: Na raiz de toda a criação repousa o desejo. O desejo e a imaginação promovem e reforçam um ao outro. O quarto estado  é um estado de puro testemunhar, de consciência desapegada, sem paixão e sem palavras. É como o espaço que não é afetado pelo que quer que ele contenha. Os problemas corporais e mentais não o alcançam – eles estão fora, ‘lá’, enquanto a testemunha está sempre ‘aqui’.

P: Que é o real, o subjetivo ou o objetivo? Estou inclinado a crer que o universo objetivo é o real e que minha psique subjetiva é mutável e transitória. Você parece reivindicar a realidade de seus estados internos subjetivos e negar toda realidade ao mundo externo, concreto.

M: Ambos, o objetivo e o subjetivo são mutáveis e transitórios. Não há nada real neles. Encontre o permanente no efêmero, o único fator constante em toda experiência.

P: Qual é este fator constante?

M: Que eu lhe dê vários nomes e designe de diversos modos não o ajudará muito, a menos que você tenha a capacidade de ver. Um homem de pouca visão não verá o papagaio no ramo de uma árvore por muito que o incite a olhar. No melhor dos casos verá o seu dedo apontando. Antes de tudo, purifique sua própria visão, aprenda a ver em vez de encarar, e você perceberá o papagaio. Também, você deve estar ávido para ver. Você necessita tanto claridade quanto seriedade para chegar ao autoconhecimento. Você necessita maturidade de coração e de mente, a qual vem através da séria aplicação na vida diária do pouco que você entendeu. Na Ioga não há compromissos.

Se quiser pecar, peque de todo o coração e abertamente. Os pecados também têm suas lições a ensinar ao pecador sincero, como as virtudes – ao santo sincero. É a mescla dos dois que resulta tão desastrosa. Nada pode bloquear-lhe tão eficazmente como o compromisso, pois lhe falta sinceridade, sem a qual nada pode ser feito.

P: Aprovo a austeridade, mas, na prática, gosto decididamente da vida luxuosa. O hábito de perseguir o prazer e de fugir da dor está tão enraizado em mim que todas minhas boas intenções – bastante vivas no nível teórico – não encontram raízes em minha vida diária. Dizer-me que não sou honesto não me ajuda, porque simplesmente não sei como me tornar honesto.

M: Você não é honesto nem desonesto – dar nome a estados mentais só serve para expressar sua aprovação ou desaprovação. O problema não é seu – é apenas de sua mente. Comece por dissociar-se de sua mente. Recorde-se resolutamente que você não é a mente, e que seus problemas não são seus.

P: Posso dizer a mim mesmo: ‘Não sou a mente, não me interessam seus problemas’, mas a mente continua existindo e seus problemas seguem sendo os mesmos. Não me diga agora, por favor, que é porque não sou suficientemente sério e que deveria ser mais honesto! Já o sei e admito, e apenas lhe pergunto – como isto é feito?

M: Pelo menos pergunta! É suficiente para começar. Continue refletindo, perguntando-se, desejando encontrar um caminho. Seja consciente de si mesmo, observe sua mente, dê a ela toda sua atenção. Não busque resultados rápidos; pode ser que não note nenhum. Sem que você o saiba, sua psique empreenderá uma mudança, haverá mais claridade em seu pensamento, caridade em seu sentimento, pureza em sua conduta. Você não tem que tratar de consegui-las, ainda assim você testemunhará a mudança. Pois o que você é agora é o resultado da falta de atenção, e o que virá a ser será fruto da atenção.

P: Por que a mera atenção faz toda a diferença?

M: Até agora sua vida foi obscura e inquieta (tamas e rajas). A atenção, o estado de alerta, a Consciência, a claridade, a viveza, a vitalidade, todas são manifestações de integridade, de unidade com sua verdadeira natureza (sattva). A natureza de sattva é reconciliar e neutralizar rajas e tamas, e reconstruir a personalidade de acordo com a verdadeira natureza do eu. Sattva é o servente fiel do eu, sempre atento e obediente.

P: E deverei chegar a isto através da mera atenção?

M: Não subestime a atenção. Ela significa interesse e também amor. Para conhecer, fazer, descobrir, ou criar, você deve dar o seu coração a ela – o que significa atenção. Todas as bênçãos fluem dela.

P: Você nos aconselha a concentrar-nos no ‘Eu sou’. Isto também é uma forma de atenção?

M: O que seria, se não isto? Dê toda sua atenção ao mais importante de sua vida – você mesmo. De seu universo pessoal, você é o centro; sem conhecer o centro, o que poderia conhecer?

P: Mas como conhecer a mim mesmo? Para conhecer-me, tenho que estar distante de mim mesmo. Mas o que está distante de mim mesmo não pode ser eu. De modo que parece que não posso conhecer-me, só o que tomo por mim mesmo.

M: Correto. Assim como não pode ver o seu rosto senão apenas como um reflexo no espelho, do mesmo modo só poderá conhecer sua imagem refletida no espelho imaculado da Consciência pura.

P: Como posso obter esse espelho imaculado?

M: Obviamente, retirando as manchas. Veja as manchas e remova-as. O ensinamento antigo é totalmente válido.

P: Que é visão e o que é remoção?

M: A natureza do espelho perfeito é tal que você não pode vê-lo. Qualquer coisa que veja será necessariamente uma mancha. Afaste-se dela, abandone-a, veja-a como algo que não quer.

P: Tudo o que se percebe são manchas?

M: Tudo são manchas.

P: O mundo inteiro é uma mancha.

M: Sim, é.

P: Que horror! De modo que o universo não tem valor?

M: Tem um valor tremendo. Por ir além do universo, você percebe seu próprio ser.

P: Mas por que ele surgiu em primeira instância?

M: Você saberá quando terminar.

P: Isto irá acabar?

M: Para você, sim.

P: Quando começou?

M: Agora.

P: Quando terminará?

M: Agora.

P: Agora não termina?

M: Você não deixa que termine.

P: Quero que termine.

M: Não, não quer. Toda sua vida está conectada com o universo. O passado e o futuro, seus desejos e seus temores, todos têm suas raízes no mundo. Sem o mundo onde você está, quem é você?

P: Mas isso é exatamente o que acabo de descobrir.

M: E eu estou lhe dizendo exatamente isto: encontre um ponto de apoio além e tudo será fácil e claro.

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