sexta-feira, 22 de abril de 2011

Auto-Inquirição

Questionador: Mas pedir para a mente voltar-se para dentro e buscar sua Fonte não é empregá-la?

Maharshi: É claro, estamos usando a mente. É de conhecimento comum que a mente só pode ser extinta com a ajuda da mente. Mas a diferença é que ao invés de começar dizendo que a mente existe e que eu quero destruí-la, você começa buscando sua fonte, e quando você encontra a Fonte você vê que a mente não existe. A mente voltada para fora resulta em pensamentos e objetos; voltada para o interior ela se torna ela mesma o Eu Real.

Eu não disse que você deve ficar rejeitando pensamentos. Se você agarrar a si mesmo – ou seja, se você agarrar o pensamento-eu ou ego – e mantiver-se interessado apenas nesse único pensamento, então os outros pensamentos serão rejeitados e desaparecerão automaticamente.

A investigação “Quem sou eu?” significa tentar encontrar a fonte do ego ou pensamento-eu. Então você não deve ocupar a mente com outros pensamentos, tais como “Eu não sou o corpo”, etc. Buscar a fonte do “eu” é um meio de se livrar dos outros pensamentos.

A individualidade é aquilo que está consciente da existência dos pensamentos e da sua sequência. Essa individualidade é o ego ou, como as pessoas dizem, é o “eu”.

Você não precisa eliminar nenhum falso “eu”. Como pode o “eu” eliminar a si mesmo? Tudo o que você precisa fazer é encontrar a Fonte do “eu”, e permanecer lá. O seu esforço só pode levá-la até este ponto. A partir daí o Transcendental vai tomar conta de si mesmo. Você não pode fazer mais nada então. Nenhum esforço pode chegar até Ele.

As noções de prisão e libertação são meras modificações mentais. Se, portanto, a pessoa investigar a fonte: “Para quem existe a prisão e libertação?”, será descoberto que é “Para mim”, isto é, para a própria pessoa. Se então ela investigar “Quem sou eu?” sinceramente, descobrirá que não existe o “eu” e “meu”.

Aquilo que “sobra”, uma vez que o “eu” desaparece – ou melhor, é visto como não existente –, é realizado de forma vívida e direta como o Eu que ilumina a si mesmo e que é como é. Essa Realização viva, que é a experiência direta e imediata da Verdade Suprema, vem naturalmente, sem nada de especial sobre ela, a todos aqueles que, permanecendo assim como são, mergulham interiormente sem permitir que a mente se exteriorize nem por um momento, e nem desperdiçam seu tempo em conversas vãs.

Questionador: Imagine que eu tenha o pensamento “cavalo”, e procure saber de onde ele veio. Fazendo isso eu vejo que ele vem da memória, e que esta surgiu da percepção passada de um “cavalo”, mas isso é tudo.

Maharshi: Quem lhe pediu para pensar tudo isso? Esses também são pensamentos... Qual é o bem que você espera ganhar pensando assim sobre a memória e a percepção? O “eu” que tem essa percepção e memória, de onde ele vem? Descubra. A percepção, a memória e qualquer outra experiência surgem sempre para este “eu”. Você não tem essas experiências durante o sono e mesmo assim você existe enquanto dorme, assim como existe agora. Isso apenas mostra que o EU continua enquanto as outras coisas vão e vêm.

Você veio da mesma Fonte em que estava durante o sono.

Tudo o que você precisa fazer é abandonar a sua identificação com esse corpo e abandonar todos os pensamentos de coisas externas, isto é, de coisas que não são o Eu Real. Por mais que a mente se exteriorize em direção aos objetos dos sentidos, detenha-a e fixe-a no Eu. Esse é todo esforço que você precisa fazer.

Todos buscam apenas aquilo que lhes trará felicidade. A sua mente divaga em direção aos objetos exteriores pois você acredita que encontrará felicidade neles; mas descubra de onde a felicidade realmente vem, mesmo a felicidade que você acredita originar-se dos objetos dos sentidos. Então você perceberá que toda felicidade vem apenas do Eu e, com isso, será capaz de permanecer no Eu.

Concentração não é pensar sobre algo. Pelo contrário, é excluir todos os pensamentos, já que todos os pensamentos obstruem a experiência do verdadeiro ser da pessoa.

Questionador: Se o “eu” é uma ilusão, quem é que afasta este “eu”?

Maharshi: O “Eu” afasta a ilusão do “eu” e mesmo assim continua sendo “Eu” – tal é o paradoxo da Auto-Realização. Mas os seres Realizados não vêem nenhum paradoxo nisto.

Você pode abandonar esta ou aquela das “minhas” posses; mas se, ao invés disso, você abandonar o “eu” e “meu”, tudo é abandonado de uma vez só, e a própria semente da posse é destruída. Com isso corta-se o mal pela raiz. Mas a força do desapego deve ser grande para que isso seja possível. A ânsia de fazer isso deve ser igual à ânsia de alguém que está sendo afogado e tem que subir à superfície para respirar.

O que é necessário é manter-se sempre fixo no Eu Real. Os obstáculos a isso são, por um lado, as distrações causadas pelas coisas do mundo e, por outro, o sono. Mas outro método é simplesmente não se preocupar com o sono. Quando quer que ele venha, você não pode evitá-lo, então simplesmente mantenha-se fixo no Eu Real, ou na sua meditação, em cada momento da sua vida desperta, e retorne à meditação no momento em que você acordar. Isso será suficiente.

Assim, mesmo durante o sono a mesma corrente de consciência estará trabalhando.

Você nunca deve ficar satisfeito com qualquer experiência que tenha. Quer você sinta prazer ou medo, pergunte-se quem sente isso e continue seus esforços até que prazer e medo sejam ambos transcendidos e que a dualidade cesse, permanecendo assim apenas a Realidade. Não há nada de errado em experimentar essas coisas, desde que você não pare por aí.

Não se importe se há visões, sons, vazio, ou qualquer outra coisa. Você está presente nessas experiências ou não? Você deve ter estado lá para poder dizer que experimentou um vazio. Permanecer fixo neste “você” do início ao fim é a busca. É a mente que vê objetos e tem experiências que se depara com o vazio quando pára de ver e experimentar, mas essa mente não é você. Você é a iluminação constante que dá vida tanto à experiência quanto ao vazio.

A mente é pura por natureza, mas se contamina quando se envolve com os objetos. O ideal é mantê-la ativa em sua busca sem abrir as portas para as impressões sensoriais e sem pensar em outras coisas.

Para aqueles que seguem o caminho do Conhecimento, a auto-inquirição é suficiente para desenvolver todas as qualidades divinas – eles não precisam se preocupar em fazer mais nada.

A Consciência que percebe o vazio é o Eu Real.

Permaneça sem pensar. Enquanto houver pensamento haverá medo.

Todo mundo está consciente de que existe. No entanto as pessoas se esquecem dessa consciência e vão buscar Deus. Qual é a utilidade de fixar a atenção entre as sobrancelhas? O objetivo de tal conselho é ajudar a mente a se concentrar. É um método poderoso de controlar a mente e evitar sua dispersão.

Questionador: Não é útil fazer um voto de silêncio?

Maharshi: Um voto é apenas um voto. Ele pode ajudar a meditação até certo ponto; mas qual é a utilidade de meramente manter a boca fechada se você permite à sua mente mover-se desenfreadamente? Por outro lado, se a mente está envolvida na meditação qual a necessidade da fala? Nada é tão bom quanto a própria meditação. Qual é a utilidade de um voto de silêncio se a pessoa está absorta na atividade mental?

Tudo o que se fala sobre a entrega é como roubar açúcar de uma imagem de açúcar de Ganesha e depois oferecê-lo ao mesmo Ganesha. Você diz que oferece seu corpo e alma e todas as suas posses a Deus – mas eles são seus para você poder oferecer? No máximo você pode dizer: “Eu erroneamente imaginei até agora que essas coisas, que na verdade são Vossas, eram minhas. Agora percebo que elas pertencem a Vós, e não mais agirei como se minhas fossem”. E esse conhecimento de que não existe nada além de Deus (Brahman) ou Eu Real (Atman), de que “eu” e “meu” são meras ficções, e que apenas o Eu Real existe, é Jnana (Libertação pela Sabedoria).

Questionador: Gostaria de saber quais são os passos por meio dos quais eu posso atingir a entrega?

Maharshi: Há dois caminhos. Um é buscar a fonte do “eu” e mergulhar nessa Fonte; o outro é sentir “eu sou impotente sozinho; apenas Deus é todo-poderoso, e a única maneira de eu estar seguro é me atirando completamente Nele”, assim desenvolvendo gradualmente a convicção de que apenas Deus existe, e de que o ego é irrelevante. Ambos os métodos levam ao mesmo objetivo. A entrega completa é apenas outro nome para Jnana ou Libertação.

"O estado natural é semelhante ao sono”, está correto. É o estado natural. Como você agora se identifica com o ego, você olha para o estado natural como se fosse algo que interrompesse seu trabalho ou prática. Então você deve ter essa experiência repetida até que você perceba que esse estado é seu estado natural.

Questionador: Como pode o domínio do ego ou pensamento-eu ser afrouxado?

Maharshi: Não se acrescentando novas tendências mentais (pensamentos, memórias) a ele.

O exame da natureza transitória das coisas exteriores leva ao desapego. Assim, a investigação ou inquirição é o primeiro e mais importante passo. Quando ela se torna automática resulta em indiferença à riqueza, fama, conforto, prazeres, etc. Então o pensamento-“eu” é investigado até chegar-se à fonte do “eu”, o Coração, que é a meta final.

Questionador: O Guru ou Mestre é necessário?

Maharshi: Isso depende do que você chama de Guru. Um Guru não precisa necessariamente ter uma forma física. Dattatreya disse que teve vinte e quatro Gurus – os cinco elementos, etc. Isso quer dizer que tudo no mundo era seu Guru. O Guru é absolutamente necessário.

Os Upanishads dizem que ninguém além do Guru pode tirar o homem da selva das percepções sensoriais e formações mentais; logo, o Guru é indispensável.

O mestre está no interior. Se ele fosse um ser estranho pelo qual você espera, ele também estaria fadado a desaparecer. De que adianta um ser transitório como esse?

Questionador: O que é Deus?

Maharshi: Por que se preocupar com Deus? Nós não sabemos se Deus existe mas sabemos que existimos, então primeiro concentre-se em si mesmo. Descubra quem você é.

Todo o Vedanta está contido nas duas declarações bíblicas “Eu sou o que Eu sou” e “Permaneça imóvel e saiba que Eu sou Deus.

Questionador: Então o que me impede de conhecer a mim mesmo ou Deus?

Maharshi: A sua mente que divaga e seus caminhos desvirtuados.

Entregar-se completamente significa que você deve aceitar a vontade de Deus, e não reclamar do que não lhe agrada. As coisas podem se revelar diferentes do que pareciam. O sofrimento e a aflição muitas vezes levam a pessoa a ter fé em Deus.

Questionador: Existem graus de ilusão?

Maharshi: A ilusão é em si ilusória. Ela deve ser vista por alguém que encontra-se fora dela, mas como pode um observador assim estar sujeito a ela? Então, como ele pode falar de graus de ilusão?

A ilusão é aquilo que faz os seres tomarem por real e existente por si aquilo que é inexistente e irreal, isto é, a trilogia mundo-ego-Deus.

A essência da mente é apenas atenção ou consciência. Entretanto, quando o ego nubla a mente, esta adota as funções de raciocínio, pensamento e percepção. A mente universal, não sendo limitada pelo ego, não tem nada exterior a si, e portanto ela é apenas consciência. É isso o que a Bíblia quer dizer com “EU SOU O QUE EU SOU”.

S. Ramana Maharshi

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