quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Enquanto existe temor, não há amor


"O problema, por consequência, não é de como libertar a mente do temor, ou de como tê-la tranquila, para dissolver o temor, mas: se o medo pode ser compreendido. Embora eu tenha medo de várias coisas -— de meu patrão, de minha esposa ou marido, da morte, de perder o meu depósito no banco, da opinião dos meus vizinhos, da frustração, de perder minha importância pessoal — esse medo, em si, é o resultado de um processo total, não é? Isto é, o “eu”, o “ego”, em sua atividade, “projeta” o medo. A substância é o pensamento concernente ao “eu”, e sua sombra é o medo; e, evidentemente, não adianta batalhar contra a sombra, a reação. O “eu” está-se protegendo, ansiando, esperando, desejando, lutando; e constantemente compara, pesa, julga; aspira ao poder, à posição, ao prestígio, aspira a ser respeitado; e pode esse “eu”, fonte do temor, deixar de existir, não para todo o sempre, mas momento por momento? Quando se apresenta o sentimento de temor, pode a mente ficar cônscia dele, examiná-lo sem condenação, julgamento, escolha? Porque, no momento em que começamos a julgar, a avaliar, é uma parte do “eu” que está dirigindo, e, portanto, condicionando o nosso pensamento, não é exato?

Posso, pois, estar cônscio da minha avidez, da minha inveja, momento por momento? Estes sentimentos são expressões do “eu”, do “ego”, não é verdade? O “ego” é sempre o “ego”, em qualquer nível que o coloquemos. Seja “superior”, seja “inferior”, o “eu” está sempre compreendido na esfera do pensamento. E posso eu estar cônscio desses sentimentos, ao surgirem, momento por momento? Posso descobrir sozinho as atividades do meu “ego”, quando, por exemplo, converso à mesa, quando jogo, quando escuto, quando me acho num grupo de pessoas? Posso estar cônscio dos ressentimentos acumulados, do desejo de causar impressão, de ser alguém? Posso descobrir que sou ávido e estar cônscio da minha condenação da avidez? A própria palavra “avidez” é uma condenação, não achais? Estar cônscio da avidez é também estar cônscio do desejo de ficar livre dela, e é perceber porque desejamos ser livres dela — é perceber todo o processo. Isso não é um modo de agir muito complicado; sua significação pode ser apreendida imediatamente. Começamos, pois, a compreender, momento por momento, o crescimento constante do “eu”, com sua presunção, suas “autoprojeções” — sendo tudo isso, basicamente, fundamentalmente, a causa do temor. Mas se não se pode empreender nenhuma ação para nos libertarmos da causa, o que nos cabe fazer, então, é só estar cônscios dela. Quando desejamos estar livres do “ego”, esse próprio desejo faz também parte do “ego”; tendes, pois, uma batalha constante no “ego”, em torno de duas coisas desejáveis, entre a parte que deseja e a parte que não deseja. Quando nos tornamos cônscios do que se passa no nível consciente, começamos também a descobrir a inveja, as lutas, os desejos, os impulsos, as ansiedades existentes nos níveis mais profundos da consciência. Quando a mente está muito interessada em descobrir o processo total de si mesma, então cada incidente, cada reação transforma-se num meio de descobrimento, de autoconhecimento. Isso requer paciente vigilância, a qual não pode ser exercida por uma mente que está sempre lutando, sempre a aprender “como” ser vigilante. Vereis, assim, que as horas de sono são tão importantes como as horas de vigília, pois a vida é então um processo total. Enquanto não conhecerdes a vós mesmo, o temor continuará a existir, e todas as ilusões criadas pelo “eu” prosperarão. O autoconhecimento, pois, não é um processo que se aprende em leituras, ou a respeito do qual se pode especular: ele tem de ser descoberto por cada um de nós, momento por momento, o que faz com que a mente se torne sobremaneira vigilante. Nessa vigilância há uma certa aquiescência, um percebimento passivo em que não existe desejo de ser ou de não ser, e em que se encontra um maravilhoso sentimento de liberdade. Pode ele durar só um minuto, um segundo, apenas, mas tanto basta. Essa liberdade não é produto da memória; é uma coisa viva. Entretanto, a mente, depois de prová-la, a reduz a uma lembrança, e deseja então mais. O estar cônscio desse processo total só é possível pelo autoconhecimento, e o autoconhecimento nasce momento por momento, enquanto observamos nosso falar, nossos gestos, a maneira como falamos, e os motivos ocultos que nos são subitamente revelados. Só então podemos ficar livres do temor. Enquanto existe temor, não há amor. O temor enche-nos de sombras o ser, e esse temor não pode ser lavado por nenhuma reza, ideal, ou atividade. A causa do temor é o “eu”, o “eu” que é tão complexo nos seus desejos, necessidades, ocupações. A mente tem de compreender todo aquele processo; e essa compreensão só pode vir quando há vigilância sem escolha."

(Krishnamurti)
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domingo, 29 de maio de 2016

A ESTRUTURA DA MENTE


“Seria desperdício de tempo e esta reunião de todo inútil se considerássemos o que se tem dito até agora, e o que se vai dizer, como mero entretenimento intelectual. Quando se necessita de qual­quer espécie de estímulo, a mente se torna lerda, embotada, incapaz de pensar com rapidez, e se nos estamos servindo destas palestras apenas como uma nova espécie de estimulante, acho que seria prefe­rível não realizá-las. Por outro lado, se somos capazes de examinar profundamente os movimentos de nosso pensar, na vida diária, e de começar a compreender o “processo” de nossa própria mente, então, talvez, sejam realmente úteis estas reuniões.

Mesmo quando repetimos certas palavras de profunda signifi­cação, vivemos, em geral, bem perfunctoriamente; vivemos num mundo verbal, num mundo de ações e emoções superficiais. Nossa mente é sem profundidade, mesquinha, estreita, e um dos problemas mais importantes da vida é como tornar essa mente profunda, rica, cheia. A mente “ carregada” de conhecimentos não é uma mente rica; só o é a mente que penetrou fundo em si mesma e descobriu seus pró­prios e inumeráveis recessos, suas secretas ideias e motivos, e é capaz de penetrar e transcender o pensamento.

Estou empregando a palavra “mente” não só para denotar a mente superficial que está ativa todos os dias, mas também a mente inconsciente, a mente que oculta tantas compulsões e “ motivos” , aquela que busca o preenchimento dc secretos desejos, que está cônscia de suas frustrações, suas aptidões, suas limitações, e sempre a buscar, sempre a sondar. Refiro-me à totalidade da mente, tanto à mente consciente como à inconsciente. Pouco sabemos dessa totalidade, por­que em maioria funcionamos nas camadas superficiais da consciência; estamos ocupados completamente a respeito de nosso emprego, da rotina de nossa vida, de crenças, dogmas e fácil recitação de orações — coisas a que a mente superficial se apega porque lhe são conve­nientes, proveitosas, e com isso nos damos por satisfeitos.

Agora, se pudermos aprofundar-nos no inteiro processo da mente, penetrar fundo no inconsciente, talvez então possamos descobrir por nós mesmos toda a extensão e limitação da faculdade de pensar. O inconsciente, por certo, não é um mistério, uma coisa que temos de aprender com os psicólogos ou com os que estudaram filosofia. Ele é parte integrante de nossa existência diária e está constantemente a indicar algo, a fornecer sugestões, mas acontece que nossa mente su­perficial acha-se sempre tão ocupada, tão atarefada com seus próprios problemas triviais, que não lhe sobra tempo ou atenção para receber essas sugestões; mas a mente oculta lá está. Ela não é mais sagrada nem mais divina do que a mente consciente, porquanto as duas fazem parte do processo total de nossa consciência, e, para podermos trans­cender as limitações dessa consciência, devemos compreender suas pe­culiaridades.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A dor é sobreposta ao silêncio? - Tudo surge no silêncio.


"A dor é sobreposta ao silêncio?

Tudo surge do silêncio.

Então o silêncio é constante e a dor é, de alguma forma, estranha?

Quando você fala de dor, alguém sente esta dor, um “alguém” que aparece do silêncio. A dor é uma percepção que nós, geralmente, evitamos sentir mediante um muito rápido processo de conceituação. Como o conceito de dor e sua percepção não podem ocorrer simultaneamente, devemos abandonar a ideia e sentir a percepção pura. Ao sermos conscientes da sensação, sendo seu conhecedor, nós estamos fora da dor, ou mais precisamente, a dor aparece em nossa observação, em nosso silêncio sempre presente.

Há diversos modos de relacionar-se com a dor. Geralmente, tendemos a evadi-la ou a dirigi-la de alguma maneira, mas então ficamos nela enredados através do esforço da vontade. Quando simplesmente observamos e permitimos que a dor se expresse, a energia estabelecida como dor se torna fluida. No olhar puro, não há ninguém, nenhum ego dirigente, e esta energia, não encontrando lugar algum para se localizar, reintegra-se à totalidade.

É importante para você aprender a viver com a dor. Nunca a conceitue. Eu lhe darei um exemplo do que quero dizer. Se você se sente cansado e diz a si mesmo “Estou cansado”, identifica-se instantaneamente com a fadiga. Esta identificação faz de você um cúmplice deste estado, com isso, você o sustenta. Mas se você descansa e permite que a fadiga se expresse, ele se torna um objeto de sua observação. E, como você não é mais um cúmplice dela, o sentimento de cansaço se dissolve rapidamente e você se sente completamente descansado.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A Canção da Mente

Hsin-ming por Niu-t'ou Fa-jung (594-657)

A natureza da mente é não-surgimento;
Que necessidade há de conhecimento e visões?
Originalmente, não há um único fenômeno;
Por que discutir inspiração e treinamento?

Vindo e indo sem início;
Ao ser procurada, não é vista.
Não há necessidade de fazer coisa alguma;
É brilhante, calma, auto-aparente.

O passado é como o espaço vazio;
Conheça qualquer coisa e o princípio básico é perdido.
Lançando uma luz clara sobre o mundo,
Iluminando, porém obscurecida.

Se a mente unidirecionada for impedida,
Todos os fenômenos serão mal compreendidos.
Vindo e indo assim,
Há necessidade de investigação completa?

Surgindo sem a marca do surgimento,
Surgimento e iluminação são o mesmo.
Desejando purificar a mente,
Não há mente para o esforço.

Através do tempo e do espaço, nada é iluminado;
Isto é o mais profundo.
Conhecer os fenômenos é não-conhecer;
Não-conhecer é conhecer o essencial.

Usando a mente para manter a quietude,
Você ainda falha em deixar a doença.
Nascimento e morte esquecidos —
Esta é a natureza original.

domingo, 3 de agosto de 2014

Krishnamurti - O Sublime

Uma experiência de bem-aventurança

A imaginação perverte o percebimento de o que é; no entanto, como nos orgulhamos de nossa imaginação e de nosso especular. A mente especulativa, com seus pensamentos complicados, não é capaz de transformação fundamental; não é uma mente revolucionária. Vestiu-se como deveria ser e está seguindo o padrão de suas próprias projeções limitadas, confinantes. O que é bom não está no que deveria ser, mas na compreensão do que é. A mente tem de por de lado toda imaginação e especulação para que o Real tenha existência.

Ele era moço ainda, mas chefe de família e conceituado homem de negócios. Parecia muito preocupado e atribulado, e ansioso por dizer alguma coisa.

"Há tempos ocorreu-me uma experiência verdadeiramente extraordinária, e como nunca relatei a ninguém não sei se sou capaz de a descrever com clareza para você; espero que sim, pois não há ninguém mais a quem possa me dirigir. Essa experiência arrebatou-me completamente o coração; entretanto, foi-se e dela só me resta a vã lembrança. Talvez você possa ajudar-me a captá-la novamente. Vou relatar-lhe com a possível exatidão o que foi esse estado abençoado. Tenho lido a respeito dessas coisas, mas tudo o que li não passava de vãs palavras, que só me falavam aos sentidos; o que me aconteceu foi uma coisa fora da esfera do pensamento, da esfera da imaginação e do desejo, e eu a perdi. Rogo-lhe para que me ajude a recuperá-la". Calou-se por um instante, e continuou:

"Uma certa manhã despertei muito cedo; a cidade ainda dormia e seus rumores ainda não haviam começado. Senti-me impelido a sair; vesti-me rapidamente e saí para a rua. Nem sequer o caminhão do leite havia começado a circular. A primavera estava em início e o céu era de um azul pálido. Apoderou-se de mim um forte sentimento de que deveria ir ao parque, distante cerca de uma milha. Desde o instante em que transpus a porta da rua, veio-me um estranho sentimento de leveza, como se estivesse caminhando no ar. O edifício fronteiro, um desgracioso conjunto de apartamentos, perdera toda sua fealdade; até os tijolos pareciam mais vivos e luminosos. Todo objeto insignificante, que eu de ordinário não teria sequer notado, parecia dotado de uma qualidade extraordinária, peculiar e, coisa estranha, tudo parecia parte de mim mesmo. Nada estava separado de mim; com efeito, o "eu", como observador, como percipiente, tinha-se ausentado, se você percebe o que quero dizer. Não havia "eu" separado daquela árvore ou do jornal jogado na sarjeta ou das aves que chamavam umas às outras. Era um estado de consciência que eu nunca antes experimentara."

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A Imaginação

S. Nisargadatta Maharaj

Nada morre. O corpo é apenas imaginado. Não existe tal coisa.


Quando você não exigir nada do mundo, nem de Deus, quando você não quiser nada, não buscar por nada, e não esperar nada, então o Estado Supremo virá até você sem ser convidado, e inesperado.

Um sábio comanda uma forma de percepção espontânea, não sensorial, a qual o faz conhecer as coisas diretamente, sem a intermediação dos sentidos. Ele está além do perceptual e do conceitual, além das categorias de tempo e espaço, nomes e formas. Ele não é nem o percebido nem o percebedor, mas o fator simples e universal que torna a percepção possível.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

S. N. Maharaj‏ - Ignorância/desatenção

A Atenção como fuga às ilusões...

Não existe isso de ignorância, apenas desatenção. Além do mais, a preocupação é um estado de dor mental, e a dor é, invariavelmente, um chamado por atenção. No momento em que você dá atenção, o chamado por isso cessa e a questão da ignorância se dissolve. A atenção o traz de volta para o presente, o agora, e a presença no agora é um estado sempre à mão, mas raramente percebido.

Aprender as palavras não é o suficiente. Você pode conhecer a teoria mas, sem a experiência atual de si mesmo como o centro impessoal e sem atributos da existência, amor e bem-aventurança, o mero conhecimento verbal é estéril.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O tempo e o sofrimento - Krishnamurti

O homem vive do tempo. A invenção do futuro se tornou seu favorito jogo de fuga. Pensamos que as mudanças em nós mesmos só podem ser efetuadas no tempo, que a ordem só pode ser estabelecida em nós mesmos pouco a pouco, aumentada dia por dia. Mas, o tempo não traz a ordem nem a paz e, portanto, temos de deixar de pensar em termos de gradualidade. Isso significa que não há um amanhã em que viveremos em paz. Temos de alcançar a ordem imediatamente. 

Quando se apresenta um perigo real, o tempo desaparece, não é verdade? A ação é imediata. Mas, nós não percebemos o perigo existente em muitos dos nossos problemas e, por conseguinte, inventamos o tempo como um meio de superá-los. O tempo é um embusteiro, porquanto nada faz para ajudar-nos a promover uma mudança em nós mesmos. O tempo é um movimento que o homem dividiu em passado, presente e futuro. E, enquanto fizer essa divisão, o homem viverá sempre em conflito.

O aprender depende do tempo? Após tantos milhares de anos, ainda não aprendemos que existe uma maneira de vida melhor do que odiarmos e matarmos uns aos outros. Muito importa compreender o problema do tempo, se desejamos uma solução para esta vida que cada um de nós contribuiu para tornar tão monstruosa e sem significação como é.

A primeira coisa, pois, que se deve compreender é que só podemos olhar o tempo com aquele vigor e aquela inocência da mente, que já estivemos considerando. Vemo-nos confusos a respeito de nossos numerosos problemas, e perdidos no meio desta confusão. Ora, quando uma pessoa se perde numa floresta, qual a primeira coisa que faz? Pára e olha em torno de si. Mas nós, quanto mais nos vemos confusos e perdidos na vida, tanto mais corremos em todos os sentidos, buscando, indagando, rogando. A primeira coisa que deveis fazer, se me permitis sugeri-lo, é fazer alto, interiormente. E, quando parais, interiormente, psicologicamente, vossa mente se torna muito tranqüila e clara. Podeis então considerar verdadeiramente a questão do tempo. 

Os problemas só existem no tempo, isto é, quando nos encontramos com um fato de maneira incompleta. Esse encontro incompleto com o fato cria o problema. Quando enfrentamos um desafio parcial, fragmentariamente, ou dele tentamos fugir — isto é, quando o enfrentamos com atenção incompleta — criamos um problema. E o problema continua existente enquanto continuarmos a dar-lhe incompleta atenção, enquanto esperarmos resolvê-lo um dia destes.

Sabeis o que é o tempo? — Não o tempo medido pelo relógio, o tempo cronológico, porém o tempo psicológico? É o intervalo entre a idéia e a ação. Uma idéia visa, naturalmente, à autoproteção: a idéia de estar em segurança. A ação é sempre imediata; não é do passado nem do futuro; o agir deve estar sempre no presente; mas a ação é tão perigosa, tão incerta, que preferimos ajustar-nos a uma idéia que nos promete uma certa segurança.

Olhai isso em vós mesmo. Tendes uma idéia do que é certo ou errado, ou um conceito ideológico relativo a vós mesmo e à sociedade, e de acordo com essa idéia ides agir. A ação, por conseguinte, ajusta-se àquela idéia, aproxima-se da idéia, e por essa razão existe sempre conflito. Há a idéia, o intervalo, e a ação. Nesse intervalo encontra-se todo o campo do tempo. Esse intervalo é, essencialmente, pensamento. Quando pensais que amanhã sereis feliz, tendes então uma imagem de vós mesmo a alcançar um certo resultado no tempo. O pensamento, pela observação, pelo desejo, e pela continuidade desse desejo, sustentada por mais pensamento, diz: "Amanhã serei feliz; amanhã terei sucesso; amanhã o mundo será um belo lugar." Dessa maneira, o pensamento cria esse intervalo que é o tempo.

Agora, perguntamos: Pode-se deter o tempo? Podemos viver tão completamente que não haja um amanhã para o pensamento pensar nele? Pois o tempo é sofrimento. Isto é, ontem ou há um milhar de "ontens", amastes ou tínheis um companheiro que se foi, e essa memória perdura e ficais pensando naquele prazer ou naquela dor; estais a olhar para trás e a desejar, a esperar, a lamentar, e, assim, o pensamento, ruminando continuamente aquilo, gera essa coisa que se chama sofrimento e dá continuidade ao tempo. 

Enquanto existir esse intervalo de tempo, gerado pelo pensamento, tem de haver sofrimento, tem de haver a continuidade do medo. Assim, perguntamos a nós mesmos: Pode esse intervalo terminar? Se disserdes: "Terminará ele algum dia?", isso então já é uma idéia, uma coisa que desejais conseguir e, por conseguinte, tendes um intervalo e de novo vos vedes na armadilha.

Krishnamurti

segunda-feira, 11 de março de 2013

Sinais do Absoluto

Um casal europeu visitou Maharaj por uma semana. Marido e esposa estiveram interessados na metafísica vedântica por muitos anos e tinham estudado profundamente o assunto. Havia neles, contudo, um toque de cansaço, quase de frustração, em seus pontos de vista e comportamento geral, o qual mostrava claramente o que foi posteriormente confirmado. Eles não tinham nenhuma compreensão clara da verdade a despeito da assídua busca por um longo período de tempo durante o qual tinham viajado intensamente, e tinham buscado orientação de numerosos Gurus, mas sem sucesso. Agora, estavam, talvez, perguntando-se se iam para outro exercício de futilidade e para mais frustração.

Depois de terem fornecido as informações sobre seus fundamentos em resposta à pergunta habitual de Maharaj, sentaram-se com indiferença. Maharaj olhou para eles por poucos momentos e disse: Por favor, entenda que eu não tenho nada para dar a vocês. Tudo o que faço é pôr diante de vocês um espelho espiritual para mostrar sua verdadeira natureza. Se o significado do que digo for entendido claramente, intuitivamente – não apenas de forma verbal –, e aceito com a mais profunda convicção e a mais urgente rapidez, não será mais necessário nenhum conhecimento. Este entendimento não é uma questão de tempo (de fato, é anterior ao conceito de tempo) e, quando ele acontece, acontece repentinamente, quase como um choque de compreensão atemporal. Efetivamente, isto significa uma repentina cessação do processo de duração, uma fração de segundo em que o funcionamento do próprio processo do tempo é suspenso – enquanto acontece a integração com o que é anterior à relatividade – e a apreensão absoluta ocorre. Uma vez que esta semente de compreensão tenha se enraizado, o processo de libertação relativa da escravidão imaginada pode seguir seu próprio curso, mas a apreensão em si mesma é sempre instantânea.

A palavra-chave no processo de entendimento do que digo é ‘espontaneidade’. A manifestação de todo o universo é como um sonho, um sonho cósmico, exatamente como o sonho microcósmico de um indivíduo. Todos os objetos são objetos sonhados, todos são aparições na consciência, tanto no caso de um sonho surgindo espontaneamente como um sonho pessoal durante o sono ou como o sonho vivente da vida no qual nós todos estamos sendo sonhados e vividos. Todos os objetos, todas as aparições são sonhadas na consciência pelos seres sensíveis.

Os seres sensíveis são, portanto, tanto figuras sonhadas como sonhadores; não há um sonhador individual, como tal. Cada sonho ativo do universo está na consciência, a qual está no interior de um aparato psicossomático particular, o meio através do qual o perceber e o interpretar ocorrem, e que é confundido com uma entidade individual. No sono profundo não há sonho e, portanto, nenhum universo. É apenas quando você usa a mente dividida que você existe separado dos ‘outros’ e do mundo.

Você não tem controle sobre os objetos em seu sonho pessoal, incluindo o objeto que ‘você’ é em seu sonho. Tudo é espontâneo e, ainda assim, cada um dos objetos em seu sonho pessoal não é senão você. No sonho que é a vida, também, todos os objetos (todos os ‘indivíduos’, mesmo se são opostos um ao outro no sonho) podem apenas ser o que-você-é. Todo funcionamento, toda ação na vida, portanto, pode ser apenas ação espontânea, pois não há nenhuma entidade a realizar qualquer ação. Você é (Eu sou) o funcionamento, o sonho, a dança cósmica de Shiva!

Finalmente, lembre-se que todo sonho de qualquer tipo deve necessariamente ser fenomênico – uma aparição na consciência –, ocorrido quando a consciência estiver ‘desperta’, que é quando a consciência é consciente de si mesma. Quando a consciência não é consciente de si mesma, não pode haver nenhum sonho, como no sono profundo.

Ao chegar neste ponto, o homem do casal tinha uma dúvida. Sua pergunta era: Se todos nós somos figuras sonhadas, sem qualquer escolha independente de decisão e ação, por que deveríamos preocupar-nos com escravidão e liberação? Por que deveríamos vir para Maharaj?

Maharaj riu e disse: Você parece ter chegado à conclusão correta pelo caminho errado! Se você quer dizer que agora está convencido, além de qualquer sombra de dúvida, que o objeto com o qual você havia se identificado é realmente apenas um fenômeno totalmente destituído de qualquer substância, independência ou autonomia – simplesmente uma aparição sonhada na consciência de outro alguém – e que, portanto, para uma simples sombra não pode haver qualquer problema de escravidão ou liberação, e que, consequentemente, não há necessidade de forma alguma de vir e ouvir-me, então você está perfeitamente certo. Se for assim, você não está apenas certo, mas já liberado! Mas, se você quer dizer que deve continuar a visitar-me apenas porque não pode aceitar que é uma mera figura sonhada, sem qualquer independência ou autonomia, então receio que nem mesmo deu o primeiro passo. E, de fato, desde que haja uma entidade buscando a liberação, ela nunca a encontrará.

Veja isto desta forma simples: Qual é a base de qualquer ação? A necessidade. Você come porque há uma necessidade disto; seu corpo evacua porque é necessário. Você me visita por causa da necessidade de visitar-me e escutar o que digo. Quando há a necessidade, a ação se segue espontaneamente sem qualquer intervenção de qualquer agente. Quem sente a necessidade? A consciência, certamente, sente a necessidade através da mediação do aparato psicossomático. Se você pensar que é este aparato, não é este o caso de identidade errada, assumindo a carga da escravidão e buscando a liberação? Mas na realidade o que pergunta, o buscador, é o buscado!

Uma calma absoluta reinou na salinha enquanto todos ponderavam sobre o que Maharaj havia dito. O casal visitante sentou com os olhos fechados, esquecido dos arredores, enquanto os demais visitantes, gradualmente, saiam.

"Sinais do Absoluto"

quarta-feira, 6 de março de 2013

Eu Sou Aquilo - N. Maharaj

Pergunta: Sou médico de profissão. Comecei com cirurgia, continuei com psiquiatria e também escrevi alguns livros sobre a saúde mental e a cura pela fé. Venho a você para aprender as leis da saúde espiritual.

Maharaj: Quando você tenta curar um paciente, o que tenta curar exatamente? O que é a cura? Quando você pode dizer que o homem está curado?

P: Eu procuro curar o corpo assim como melhorar a ligação entre o corpo e a mente. Também procuro colocar a mente em ordem.

M: Você investigou a conexão entre a mente e o corpo? A que ponto eles estão conectados?

P: A mente está entre o corpo e a consciência que o habita.

M: O corpo não é feito de alimentos? E pode existir uma mente sem alimento?

P: O corpo é construído e mantido pelo alimento. Sem alimento, a mente usualmente fica fraca. Mas a mente não é mero alimento. Há um fator transformador que cria a mente no corpo. O que é este fator transformador?

M: Assim como a madeira produz fogo que não é madeira, o corpo produz a mente que não é corpo. Mas a quem aparece a mente? Quem é o percebedor dos pensamentos e sentimentos que você denomina mente? Há madeira, há fogo e há o desfrutador do fogo. Quem aprecia a mente? O desfrutador é também um resultado do alimento, ou é independente?

terça-feira, 5 de março de 2013

Sinais do Absoluto - N. Maharaj

Neste ponto, a questão que permanece a ser tratada, a fim de fazer esta meditação razoavelmente completa em si mesma, é salientar a identidade essencial entre o não-manifesto e o manifesto, o númeno e o fenômeno, o Absoluto e o relativo, a presença e a ausência e, de fato, a identidade essencial de todos os opostos, ou contrapartidas, inter-relacionados. Todas estas posições representam os vários aspectos da mente (sendo a mente o conteúdo da consciência) que constituem o dualismo o qual é a base de toda a manifestação: o observador e o observado, o conhecedor e o conhecido. Como diz Maharaj, a apercepção da identidade básica dos opostos inter-relacionados significa ‘liberação’, pois, então, será entendido que o buscador é o buscado, que todas as distinções existem apenas na dualidade, e que, se os vários opostos inter-relacionados forem sobrepostos uns aos outros, resultariam na anulação dos opostos correspondentes, e, com isto, a da própria condição da dualidade, produzindo, assim, a unidade fundamental.

Talvez seja necessário repetir aqui que a consciência é manifestação e que a manifestação está na dualidade, mas esta dualidade é criada dentro da unicidade do Absoluto não-manifesto. A totalidade da manifestação não é algo projetado pela consciência quando entra em atividade; os vários objetos que constituem a manifestação não têm substância ou natureza própria senão a da consciência, a qual, em si mesma, é a percepção e o conhecimento dos fenômenos. O fato é que toda a manifestação, todo fenômeno, é aparência na consciência, percebida pela consciência, e conhecida por ela através da interpretação da mente. Se este fato for claramente percebido e entendido, poderá ver-se que a consciência é tanto o funcionamento que acontece quanto o seu percebimento – e nós (não os indivíduos, mas o ‘Eu’ eterno) somos este percebimento. A consciência em ação não pode ser diferente da consciência em repouso, a Consciência Absoluta, que é a totalidade do potencial completo. Em outras palavras, a consciência-manifestação é o aspecto objetivo da Consciência subjetiva.

Uma vez que a consciência se mova e a atividade comece, a manifestação e o funcionamento podem acontecer apenas em um estado de aparente dualidade. O ‘espaço’ é o aspecto estático do conceito de funcionamento: se não houvesse espaço, nenhum fenômeno com volume tridimensional poderia ser concebido. E o ‘tempo’ (duração) é o aspecto ativo do conceito de funcionamento: se não houvesse duração, os fenômenos concebidos no espaço não seriam perceptíveis. Não pode haver nem manifestação nem funcionamento (nem seres humanos nem fatos) na ausência do conceito dual de espaço e tempo, conhecido como ‘espaço-tempo’; e estes dois aspectos são separados apenas como conceito, mas perdem sua separação quando a concepção cessa. No sono profundo, por exemplo, espaço e tempo desaparecem e, com eles, toda a manifestação, pois a dualidade pode existir apenas na concepção. Paremos o pensamento e toda a dualidade desaparece.

Os fenômenos, em outras palavras, não podem ser concebidos sem o númeno, nem o númeno sem os fenômenos. (A própria idéia de númeno está, certamente, dentro da área da dualidade da concepção). Quando cessa a concepção, toda a dualidade chega ao fim. Quando a concepção cessa, não haverá nem fenômeno nem númeno, pois o que permanece é pura subjetividade – nenhuma experiência de qualquer tipo e ninguém a exigir alguma experiência! Expressando tudo isto em resumo: todas as contrapartidas inter-relacionadas são inevitavelmente separadas apenas como conceitos e, essencialmente, inseparáveis de qualquer forma.

Sinais do Absoluto - Nisargadatta Maharaj (Ramesh Balsekar)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Todo o seguir é um mal - Krishnamurti

PERGUNTA. Com certeza, senhor, apesar de tudo o que tendes falado a respeito do seguir, estais bem cônscio de que sois continuamente seguido. Como agis a esse respeito, já que isso segundo vós mesmo — é um mal?

KRISHNAMURTI: Senhores, nós sabemos que seguimos: seguimos o guia político, seguimos o guru, seguimos um padrão ou uma experiência. Toda nossa cultura e educação está baseada na imitação, na autoridade, no seguir.
Afirmo que todo o seguir é um mal, inclusive o seguir a mim próprio. O seguir é uma coisa maligna, destrutiva; e, entretanto, a mente segue, não é verdade? Ela segue Budha, segue Cristo, segue uma idéia, uma Utopia perfeita — porque a mente se acha num estado de incerteza, e quer a certeza. O seguir é uma exigência de certeza. Visto que exige a certeza, a mente está criando a autoridade — política, religiosa, ou a autoridade própria e está sempre a copiar; por conseguinte está lutando incessantemente. O seguidor jamais conhece a liberdade que há em não seguir. Só se pode estar livre, havendo incerteza e, não, quando a mente está a perseguir a certeza.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Boehme - Unidade

Franz Hartmann — Cristianismo Pessoal — Citações de Boehme

"Ouça, Ó homem cego! Vives em Deus e Deus está em ti. Se vives santamente, então sereis tu mesmo Deus, eonde quer que olhes, haverá Deus". (Aurora, XXII,46).

"Somos todos um só corpo em Cristo e todos temos o Espírito de Cristo ao nosso alcance. Se, portanto, penetrarmos o Cristo, poderemos ver e conhecer todas as coisas pelo poder de Seu Espírito". (Quarenta Questões…, XXVI. 5).

"Não posso descrever a totalidade da divindade como se fosse um círculo, porque Deus é imensurável; no entanto, a Divindade não é inconcebível ao espírito que repousa no amor de Deus. Tal espírito pode atingir a verdade eterna, de parte em parte e desta forma, acabará compreendendo a totalidade". (Aurora, X. 26).

"Se tenho que tornar compreensível a geração eterna, a revelação ou a evolução de Deus, fora de Seu próprio ser sou obrigado a usar uma maneira diabólica (sabidamente errônea), como se a Luz eterna tivesse se inflamado nas trevas, e como se a Divindade tivesse um princípio. Não posso instrui-los de outra forma, se pretendo que vocês adquiram uma concepção aproximada da Divindade. Não há nada primeiro e nada depois na geração e evolução, mas ao descrevê-la tenho que colocar uma coisa depois da outra". (Aurora, XXIII. 17-33).

"Não pretendo dizer que a Divindade teve um princípio; só desejo mostrar como a Divindade revelou-se através da natureza. Deus não tem princípio no tempo; Ele tem um princípio eterno e um fim eterno". (Assinatura…, III. 1).

"A Divindade é um laço eterno, que não pode perecer. Ela gera a si mesma de eternidade em eternidade, e o primeiro ali é sempre o último, e o último o primeiro". (Três Princípios…, VII. 14).

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A oração - Evágrio Pôntico

Oração, meditação ou contemplação

"Não imagines possuir a Divindade em ti, quando oras, nem deixes tua inteligência aceitar a marca de uma forma qualquer; mantém-te como imaterial diante do Imaterial e compreenderás"

"Não poderias possuir a oração pura, estando perturbado com coisas materiais e agitado por inquietações contínuas, pois a oração é abandono dos pensamentos"

"A oração é produto da doçura e da ausência de ira"

"Esforça-te por manter teu intelecto surdo e mudo durante a oração: assim poderás orar"

"Se oras verdadeiramente, sentirás uma grande segurança: os anjos te escoltarão como a Daniel e te iluminarão sobre as razões dos seres"

"Se queres orar como convém não entristeças nenhuma alma; senão, corres em vão"

"Bem-aventurada a inteligência que, no momento da oração, torna-se imaterial e despojada de tudo"

"A oração é uma ascenção da inteligência para Deus"

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Presente da Águia

Cinco Proposições Explicativas

1 — O que percebemos como mundo são os comandos da Águia.

Dom Juan explicou que o mundo que percebemos não tem existência transcendental. Nossa familiaridade com ele nos leva a acreditar que o que percebemos é um mundo de objetos existentes como os percebemos, quando na verdade não há um mundo de objetos, mas sim um universo dos comandos da Águia.

Esses comandos representam a única realidade imutável. É uma realidade que engloba tudo o que existe, o perceptível e o não-perceptível, o conhecível e o não conhecível.

Os observadores que vêem as emanações da Águia chamam-nas de comandos por causa da sua força compulsória. Todas as criaturas vivas são compelidas a usar as emanações, e usam-nas sem nunca saberem o que elas significam. O homem padrão interpreta-as como realidade. E os observadores que vêem as emanações interpretam-nas como o regulamento.

Apesar dos observadores verem as emanações, não há um meio deles saberem o que estão vendo. Ao invés de entrarem em conjeturas supérfluas, entram numa especulação funcional de como os comandos da Águia podem ser interpretados. Dom Juan insistia em dizer que ao intuirmos uma realidade que transcende o mundo percebemos remanescentes a nível de conjeturas, não é suficiente resumir que os comandos da Águia são percebidos de uma vez só por todas as criaturas vivas da terra e que não há uma criatura que perceba igual à outra. Os guerreiros devem ter como objetivo presenciar o fluxo das emanações e ver como o homem e os outros seres vivos usam-nas para construir seu mundo perceptível.

Quando eu propus o uso da palavra “descrição” em vez de comandos da Águia, Dom Juan esclareceu que não estava construindo uma metáfora. Disse que a palavra “descrição” tem uma conotação de concordância do homem, e que o que percebemos deriva de um comando no qual a concordância do homem é deixada de fora.

2 — A atenção é o que nos faz perceber os comandos da Águia como vestígios.

Dom Juan disse que a percepção é uma faculdade física cultivada por todos os seres vivos da terra; nos seres humanos o resultado final é conhecido pelos observadores como “atenção”. Acrescentou que qualquer tentativa de defini-la é perigosa, pois transforma uma realização mágica numa coisa comum. Descreveu a atenção como a utilização e canalização da percepção. Disse que é a nossa maior realização em separado, cobrindo toda a gama de alternativas e possibilidades humanas.

sábado, 30 de abril de 2011

A Observação Silenciosa

Quando falamos da observação silenciosa, referimo-nos a um modo de escutar, uma forma de ver, a qual permite o observar em sua expressão direta e não qualificada. No processo da escuta, você pode descobrir que o observador está sempre julgando, criticando, comparando e avaliando. Este discernimento o leva por si só a uma posição na qual você não está envolvido no percebido. Então, uma sensação de espaço se abre entre sua observação e o observado, suscitando a compreensão de que o percebido surge em você, mas você não está limitado a qualquer coisa perceptível. O silêncio é nossa verdadeira natureza.

Então, o próprio pensamento é a raiz do problema?

Geralmente, conhecemos a nós mesmos nas percepções, nos estados. Nós apenas conhecemos a consciência de alguma coisa, a escuta de algo, etc. Nós não conhecemos a consciência pura sem um objeto.

Pensamentos, sentimentos e sensações são objetos da consciência, e não têm existência sem um sujeito que os observa. Visto que o que percebe nunca pode ser percebido, no momento em que um pensamento ou uma percepção aponta para ele, leva-o ao silêncio, ao ser puro, à consciência sem um objeto.

Então, o que é o que percebe?

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Retornar à Fonte Una

Pergunta: Por que é que nós naturalmente parecemos pensar em nós mesmos como indivíduos separados?

Maharaj: Seus pensamentos sobre individualidade não são realmente seus próprios pensamentos; são todos pensamentos coletivos. Você pensa que você é a pessoa que tem os pensamentos; mas de fato os pensamentos surgem dentro da consciência. Conforme nosso conhecimento espiritual cresce, nossa identificação com um corpo-mente individual diminui, e nossa consciência expande-se na consciência universal. A força da vida continua a atuar, mas seus pensamentos e ações já não são limitados a um indivíduo. Transformam-se na manifestação total. É como a ação do vento - o vento não sopra para nenhum indivíduo em particular, mas para a manifestação total.

P: Como um indivíduo é possível retornar à fonte?

M: Não como um indivíduo; o conhecimento “eu sou” deve retornar à sua própria fonte. Agora, a consciência identificou-se com uma forma. Mais tarde, ela compreende que não é essa forma e segue adiante. Em alguns casos pode alcançar o espaço, e muito frequentemente, pára ali. Em muito poucos casos alcança sua fonte real, além de todo condicionamento.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Apontando o Bastão P/ o Velho Homem

Quando o grande mestre Padmasambhava estava no Eremitério da Grande Rocha, em Samye, Sherab Gyalpo de Ngog, um homem inculto de 61 anos que tinha a mais alta fé e grande devoção pelo mestre, serviu-o por um ano. Enquanto isso, Ngog não pediu qualquer ensinamento, nem o mestre lhe deu qualquer um. Quando, depois de um ano, o mestre decidiu partir, Ngog ofereceu-lhe um prato de mandala, sobre o qual colocou uma flor de uma onça de ouro. Então ele disse: Grande mestre, pense em mim com bondade. Em primeiro lugar, eu sou inculto. Em segundo, minha inteligência é pequena. Em terceiro, estou velho, então meus elementos estão fatigados. Peço que você dê um ensinamento a um velho homem à beira da morte, que seja simples de entender, que possa cortar totalmente a dúvida, que seja fácil de realizar e de aplicar, que tenha uma visão efetiva, e que me ajude em vidas futuras.

O mestre apontou seu bastão de andarilho para o coração do velho homem e deu esta instrução: Ouça aqui, velho homem! Olhe para a mente desperta de sua própria consciência! Ela não tem forma nem cor, nem centro nem borda. Primeiro, ela não tem origem, mas sim é vazia. Depois, ela não tem lugar de permanência, mas sim é vazia. No fim, ela não tem destinação, mas sim é vazia. Esta vacuidade não é feita de qualquer coisa, e é clara e cognitiva. Quando vir isto e a reconhecer, você conhecerá seu rosto natural. Você entenderá a natureza das coisas. Você verá então a natureza da mente, determinará o estado básico da realidade e cortará completamente as dúvidas sobre tópicos do conhecimento.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Desperto

Quando você está em sono profundo, o mundo fenomênico existe para você? Você não poderia, intuitiva e naturalmente, visualizar seu estado primitivo – seu ser original – antes que esta condição corpo-consciência irrompesse sobre você sem ser solicitada, por si mesma? Neste estado, você estaria consciente de sua “existência”? Não, certamente.

A manifestação universal está apenas na consciência, mas o ‘desperto’ tem seu centro de visão no Absoluto. No estado original de puro ser, não consciente de sua qualidade de ser, a consciência surge como uma onda sobre a extensão das águas, e o mundo aparece e desaparece na consciência. As ondas se levantam e caem, mas a expansão das águas permanece. Antes de todos os princípios, de todos os fins, eu sou. O que quer que aconteça, devo estar presente para testemunhar.

Não é que o mundo não ‘exista’. Ele existe, mas meramente como uma aparência na consciência – a totalidade do manifesto conhecido na infinidade do desconhecido, o não manifestado. O que começa deve terminar. O que aparece deve desaparecer. A duração da aparição é um assunto relativo, mas o princípio é que o que quer que seja sujeito ao tempo e à duração deve terminar e é, portanto, não real.

Você não pode perceber imediatamente que neste sonho da vida você ainda está dormindo, que tudo que seja reconhecível está contido nesta fantasia da vida? E que aquele que, enquanto conhecer este mundo objetificado, considerar-se uma ‘entidade’ separada da totalidade que conhece é, em realidade, parte integral deste mesmo mundo hipotético?

Considere também: Nós parecemos estar convencidos de que vivemos uma vida própria, de acordo com nossos próprios desejos, esperanças e ambições, de acordo com nosso próprio plano e objetivo, através de nossos próprios esforços individuais. Mas é realmente assim? Ou estamos sendo sonhados e vividos sem vontade, totalmente como fantoches, exatamente como em um sonho pessoal? Pense! Nunca esqueça que, assim como o mundo existe, embora como uma aparência, as figuras sonhadas também, neste ou naquele sonho, devem ter um conteúdo – elas são o que o sujeito do sonho é. É por isto que digo: Relativamente ‘Eu’ não sou, mas eu mesmo sou o universo manifesto.

S. Nisargadatta Maharaj

terça-feira, 26 de abril de 2011

A Mente Finita /+ Deva Premal


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A ilusão da mente

O primeiro pensamento a surgir na mente é o pensamento "eu". Todos os outros inumeráveis pensamentos surgem apenas depois do pensamento "eu" e têm nele sua origem. Em outras palavras, apenas depois do pronome de primeira pessoa “eu” surgir, é que os pronomes de segunda e terceira pessoa, “tu” e “ele”, ocorrem para a mente; estes não subsistem sem aquele.