O S. da Montanha Vedanta

O SERMÃO DA MONTANHA SEGUNDO O VEDANTA - SWAMI PRABHAVANANDA -

De acordo com a psicologia iogue, cinco são as causas originais das impressões existentes na mente. A primeira é a ignorância, num sentido amplo, da nossa natureza divina. Deus habita dentro de nós e à nossa volta; todavia, não guardamos consciência dessa verdade. Em vez de ver Deus, vemos o universo de muitos nomes e formas, que julgamos real — exatamente como o homem que, vendo uma corda esticada em meio à poeira do chão, no escuro de sua ignorância pode pensar que é uma cobra. Em segundo lugar vem o sentimento do eu, projetado por essa ignorância, que nos faz pensar em nós mesmos como separados de Deus e separados uns dos outros. Além do sentimento do eu, desenvolvemos o apego e também a aversão: somos atraídos por umas coisas e repelidos por outras. Tanto o desejo como o ódio são empecilhos no caminho para Deus. A quinta causa das impressões mentais impuras é a ânsia de viver, que Buda chama de tanha, e à qual o Cristo se refere quando diz: "Quem quiser salvar sua vida, que a perca." Este apego à vida, ou medo da morte, é natural em todos, tanto nos bons como nos maus. Somente as almas iluminadas estão imunes à ignorância, ao sentimento do eu, ao apego, à aversão e ao medo da morte; para elas, as impressões todas se esvaíram.

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O próprio Cristo ensinou-nos a buscar o Deus interior. No Evangelho segundo São Lucas, lemos: "O reino de Deus não tem aparência ostensiva; nem se poderá dizer: ei-lo aqui ou ei-lo ali! Porque o reino de Deus está dentro de vós." Esta afirmação às vezes tem sido interpretada para significar que Cristo viveu entre seus discípulos neste mundo. Mas, se não aceitamos a afirmação de Cristo como uma referência à divindade dentro do homem, como haveremos de entender sua prece ao Pai: ''Eu neles, e tu em mim, para que possam tornar-se perfeitos na unidade...?”Ou o lembrete do apóstolo Paulo aos Coríntios:

"Ignorais acaso que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” O que nos impede de perceber esta verdade de que Deus está sempre presente dentro de nós? É a nossa ignorância — a identificação falsa de nossa natureza real, que é Espírito, com o corpo, a mente, os sentidos e a inteligência. E a luz brilhou nas trevas, e as trevas não a compreenderam." A luz de Deus brilha, mas o véu de nossa ignorância esconde essa luz. Esta ignorância é uma experiência direta e imediata. Só pode ser removida por outra experiência direta e imediata — a realização de Deus. A diferença entre a ignorância e a realização de Deus, segundo Buda, é como a que existe entre o sono e o despertar. Em nossa ignorância, é difícil para nós acreditar que Deus pode manifestar-se. De fato, muitos resistem a esta idéia. No entanto, em todas as épocas, houve grandes almas que viram a Deus, falaram com ele e tiveram experiência da união com ele. Mestres como Jesus, Buda e Sri Ramakrishna não apenas manifestaram Deus, como ainda insistiram que todos devam fazê-lo. Um vidente védico afirmou: "Conheci aquele Grande Ser de luz fulgurante, além de toda a treva. Tu também, conhecendo essa Verdade, superarás a morte." E Jesus disse: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." A experiência dessa verdade é possível através da transformação ou, nas palavras de Jesus, do renascimento espiritual: "A menos que uma pessoa renasça, não poderá ver o reino de Deus." Comentando esta passagem, o místico alemão Angeius Silesius disse: "Cristo pode nascer milhares de vezes em Belém, mas se não renascer dentro de teu próprio coração, permanecerás eternamente só.”

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O que significa ter Cristo renascido em nossos corações? Falam-nos os Upanishads que em geral o homem vive dentro de três estados de consciência: acordado, sonhando e dormindo sem sonhar. Nesses três estados é impossível ver Deus. Mas, além desses três, há um estado, chamado o Quarto, que é conhecido dos místicos — estado esse que transcende o tempo, o espaço e a causalidade. É o reino de Deus de que fala Cristo. O que se experimenta neste Quarto estado não é contrariado em tempo algum por nenhuma outra experiência — ao contrário das fantasias do estado de sonho, que são anuladas quando acordamos. Embora o Quarto estado transcenda os sentidos e a mente, não vai de encontro à razão. Quando ele ilumina o coração, acontece uma
transformação permanente do caráter. Renascemos em espírito e tornando-nos perfeitos. Nesse estado transcendental, desaparece toda consciência do mundo e de sua multiplicidade. Os hindus chamam a este estado de samadhi; os budistas chamam-no de nirvana e os cristãos dão-lhe o nome de união mística ou união com Deus.

Poucas pessoas, porém, entram neste reino de Deus, porque poucos lutam para encontrá-lo. Como diz o Gíta:

Quem se preocupa em procurar A liberdade perfeita? Um indivíduo, talvez, Entre milhares.

Naturalmente, existem hoje milhões de cristãos que freqüentam com regularidade as igrejas, e milhões de hindus e budistas que fazem suas adorações em templos e pagodes. Mas, desses, poucos buscam a perfeição em Deus. A maioria das pessoas satisfaz-se em viver uma vida mais ou menos ética aqui na terra, na esperança de serem recompensadas na vida do além pelas boas ações que possam ter praticado. O ideal de perfeição de Cristo, em geral, é esquecido ou mal-compreendido. É verdade que muitos lêem o Sermão da Montanha, poucos, porém, procuram viver seus ensinamentos. Muitos questionam se é possível ou não encontrar Deus, ou se a perfeição pode ou não ser atingida, ou o que o Cristo quis dar a entender com conhecer a verdade ou ver a Deus. Mas, isto eu garanto — quando Cristo falou a seus discípulos, ele queria dizer literalmente que Deus podia ser visto na presente existência deles. E os discípulos ansiavam justamente por essa verdade: conhecer a Deus, serem perfeitos como é perfeito o Pai nos céus. Como pode um aspirante da espiritualidade, que anela pela verdade, satisfazer-se com a teologia, com a filosofia, com doutrinas e credos? Sri Ramakrishna costumava dizer a seus discípulos: "Vocês vieram para o pomar de mangas. De que adianta contar as folhas nas árvores? Comam as mangas e satisfaçam a fome!" De igual modo, Cristo ensinou a seus discípulos como conhecer Deus, como percebê-lo enquanto se vive neste mundo. Ele não afirmou que a perfeição divina só pode ser alcançada depois da morte do corpo.

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"Não se conhece o Eu por meio do estudo das escrituras, nem pela sutileza da inteligência, nem pelo excesso de erudição. Aquele a quem o Eu escolhe, por esse ele é atingido. A ele verdadeiramente o Eu revela o seu próprio ser.”

De igual modo, declarou Cristo: "Não fostes vós quem me escolhestes, mas eu que vos escolhi..." Isto significa que a graça é necessária, mas significará isso acaso que Deus é parcial? Swami Turiyananda, interrogado certa vez a respeito, respondeu:

"O Senhor não é parcial. Sua graça desce igualmente sobre o santo e sobre o pecador, assim como a chuva cai sobre toda a terra. Entretanto, apenas a terra cultivada produz uma boa colheita.”

E Sri Ramakrishna dizia: "A brisa da graça está sempre soprando. Abre tua vela para captar essa brisa." Isso quer dizer que a graça de Deus está sempre sobre nós, mas o auto-esforço e as disciplinas espirituais são necessárias, a fim de que nos tornemos receptivos a ela. Disse Cristo:

"Estai, pois, atentos porque não sabeis quando o dono da casa há de chegar... Para que, vindo de improviso, não vos encontre dormindo.”

Precisamos estar vigilantes; precisamos lutar para fixar a mente em Deus, rezando e meditando. Ao mesmo tempo, porém, deveríamos saber que, absolutamente independente de nossos esforços, Ele pode se revelar a nós a qualquer momento, através da Sua graça, É preciso que estejamos sempre prontos.
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Não junteis para vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem corroem, e onde os ladrões irrompem e roubam.

Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem corroem, e onde os ladrões não irrompem nem roubam.

Porque onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração.

Repete aqui Jesus o que já ouvimos antes, que uma das condições mais importantes para começar a viver com êxito a vida espiritual é ter um discernimento correto — discernimento entre o eterno e o não-eterno. Quanto mais cultivamos esta faculdade, mais perdemos a nossa sede de tesouros efêmeros do mundo objetivo, e nos voltamos para os tesouros eternos e infinitos do paraíso. O filósofo Spinoza definiu assim esse discernimento espiritual:

"A julgar por seus atos, entre as coisas que os homens têm em mais alta conta estão as riquezas, a fama ou o prazer sensual. Destas, a última é acompanhada de saciedade e arrependimento; as duas outras jamais se saciam: quanto mais temos, mais desejamos; quanto ao amor da fama, induz-nos ele a orientar nossas vidas pelas opiniões alheias. Mas, se uma coisa não é amada, não se levantarão disputas a seu respeito, não haverá tristeza caso ela desapareça, nem tristeza se outra pessoa a possuir; em suma, a mente não se perturbará. Estas coisas todas brotam do amor por aquilo que desaparece. Entretanto, o amor por algo eterno e infinito enche a mente toda de alegria e está imune de qualquer tristeza.”

A finalidade da vida, nas palavras dos Upanishads, é "alcançar a bem-aventurança permanente em meio aos prazeres fugazes da vida". E essa bem-aventurança permanente é a bem-aventurança de Deus. Absorver-se na consciência de Deus é entrar em seu reino.

Muitos de nós compreendemos intelectualmente que a finalidade da vida é a percepção de Deus, e que os prazeres mundanos existem apenas por um instante. No entanto, nossos corações não correspondem, porque adquirimos o hábito de achar prazer nos objetos sensíveis. Precisamos, então, criar o hábito novo de encontrar alegria em Deus. O Irmão Lawrence disse:

"Para conhecer a Deus precisamos pensar n‟Ele com freqüência; e, chegando a amá-Lo, passaremos a pensar n‟Ele constantemente: pois o nosso coração estará com o nosso tesouro.”

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Em outros termos, uma vez que tenhamos decidido que desejamos tesouros no céu, e não um tesouro na terra, precisamos aprender a unir nossos corações a Deus. Não importa quão freqüentemente mostremos fraqueza e esqueçamos de praticar o recolhimento: haveremos de atingir finalmente o objetivo, na medida em que continuarmos a tentar. Uma criancinha tenta andar: quem a vê caindo a toda hora acha impossível que ela ainda o consiga. Mas ela se levanta, a cada tombo, porque o desejo dentro dela é muito forte; e, por fim, ela consegue caminhar em pé, sem tropeçar. De modo semelhante, não haverá fracasso na vida espiritual enquanto não desistirmos de lutar. E não haveremos jamais de desistir dela se estivermos firmemente convencidos no coração e na mente de que Deus é o nosso único tesouro.

A luz do corpo é o olho. Se, pois, o teu olho for bom, todo o teu corpo estará cheio de luz.

Se, porém, o teu olho estiver doente, todo o teu corpo será cheio de trevas. Se, portanto, a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão essas trevas!

Para que fixemos nossos corações no eterno e renunciemos aos objetos efêmeros do mundo, nossos olhos têm de ser "singulares". Não precisamos correr atrás deste ou daquele objeto, mas devemos nos concentrar com devoção unidirecionada em Deus. Para a obtenção da iluminação, diz o Gita:

"A vontade volta-se sozinha para um único ideal. Quando falta ao homem este discernimento, sua vontade vaga em todas as direções, atrás de inúmeros objetivos.”

Quando faltar ao homem o discernimento espiritual, "todo o seu corpo ficará nas trevas". Ele continua a viver na ignorância, e o Eu verdadeiro, a luz divina dentro dele, permanece escondido. A concentração da mente no ideal escolhido de Deus é a chave para revelar essa luz divina.

Essa concentração, pois, purifica o que entra na consciência através dos sentidos. "A luz do corpo é o olho", diz o Cristo, comparando o olho a uma janela pela qual penetra o mundo exterior. Através dos cinco sentidos captamos impressões, e a soma total dessas impressões compõe o nosso caráter. Se vemos o bem, absorvemos o bem; se vemos o mal, absorvemos o mal. Como reza uma prece védica: "Possamos, com nossos ouvidos, ouvir o que é bom. Possamos, com nossos olhos, enxergar a tua justiça." Ao olharmos, é necessário que aprendamos a enxergar Deus, o Espírito que envolve tudo — e não a aparência e a forma das coisas.

Desse modo, em vez de nos desviar de nosso O ideal, cada objeto do universo torna-se uma ajuda na percepção de Deus.

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Temos o direito de aspirar a essa perfeição, pois é nossa herança divina. Nas palavras de São Paulo:

"O próprio Espírito é testemunha do nosso espírito, de que somos filhos de Deus: e se somos filhos, então somos herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo...”

Mas onde encontrar a perfeição? Onde está Deus? De acordo com o Vedanta, existe uma Base, Brahman, subjacente ao universo de nomes e formas. Ele é onipresente: portanto, existe dentro de cada criatura e de cada objeto do universo, bem como além deles. Considerado em seu aspecto imanente, Brahman se chama Atman, o Eu interior; trata-se, porém, apenas de um termo conveniente, que não implica nenhuma diferença entre os dois — Atman e Brahman são um só. Quando a alma estiver purificada através dos exercícios espirituais e estiver apta a voltar-se para o interior de si mesma, o indivíduo descobre que o seu verdadeiro ser é Atman-Brahman. Revelar este ser verdadeiro ou esta divindade, que jaz oculta dentro do eu, é tornar-se perfeito. Esta é a técnica de todas as práticas místicas.

O próprio Cristo ensinou-nos a buscar o Deus interior. No Evangelho segundo São Lucas, lemos: "O reino de Deus não tem aparência ostensiva; nem se poderá dizer: ei-lo aqui ou ei-lo ali! Porque o reino de Deus está dentro de vós." Esta afirmação às vezes tem sido interpretada para significar que Cristo viveu entre seus discípulos neste mundo. Mas, se não aceitamos a afirmação de Cristo como uma referência à divindade dentro do homem, como haveremos de entender sua prece ao Pai: ''Eu neles, e tu em mim, para que possam tornar-se perfeitos na unidade...?”Ou o lembrete do apóstolo Paulo aos Coríntios:

"Ignorais acaso que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?”

O que nos impede de perceber esta verdade de que Deus está sempre presente dentro de nós? É a nossa ignorância — a identificação falsa de nossa natureza real, que é Espírito, com o corpo, a mente, os sentidos e a inteligência. E a luz brilhou nas trevas, e as trevas não a compreenderam." A luz de Deus brilha, mas o véu de nossa ignorância esconde essa luz. Esta ignorância é uma experiência direta e imediata. Só pode ser removida por outra experiência direta e imediata — a realização de Deus. A diferença entre a ignorância e a realização de Deus, segundo Buda, é como a que existe entre o sono e o despertar.

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Perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores.

Um hindu ou um budista entenderia as "dívidas" desta passagem como as dívidas do karma. A palavra karma significa um ato físico ou mental e suas conseqüências. Qualquer pensamento que engendremos, qualquer ação que executemos tem duas conseqüências: primeiro, cria uma impressão na mente, o que significa que estamos semeando uma semente para pensamentos e ações análogos no futuro; segundo, acarreta felicidade ou miséria, de acordo com a natureza do pensamento ou do ato. Por nossas ações e reações estamos sempre contraindo dívidas, obrigações que carecem de ser pagas. Nós somos os únicos responsáveis por essas obrigações. Somos mesmo responsáveis pelo nosso próprio caráter, resultante de nossos hábitos de pensamento e de ação. Ao reconhecer nossas dívidas, ao perceber que tudo, seja bom ou mau, que nos acontece, nós mesmos o merecemos previamente — então aprendemos que não podemos responsabilizar ninguém mais por nada que sofremos. Todos temos a tendência de acusar os outros, seja lá pelo que for que exista de errado em nossa vida. No começo da criação, vemos Adão acusando Eva pelo pecado deles; por sua vez, Eva acusou a serpente. Se estivermos preparados para assumir a responsabilidade por nosso próprio karma, e não acusar os outros, então será fácil para nós perdoar os que estão em débito conosco, os que nos tiram alguma coisa ou nos causam algum mal. Somente quando tivermos este perdão em nossos corações poderemos esperar obter o perdão de Deus.

O que nos prende à lei do karma, à lei de causa e efeito? O nosso sentido de ego, que nos faz sentir separados de Deus. No Svetasvatara Upanishad lemos:

"Este vasto universo é uma roda. Sobre ela estão todas as criaturas que estão sujeitas ao nascimento, à morte e ao renascimento. Essa roda está sempre girando e não pára nunca. É à roda de Brahman. Sempre que o eu individual pensa que está separado de Brahman, ele dá outra volta sobre a roda na escravidão das leis do nascimento, da morte e do renascimento. Mas quando, pela graça de Brahman, ele percebe a sua identidade com ele, não mais gira sobre a roda e alcança a imortalidade.”

A fim de nos libertarmos da escravidão do karma, precisamos oferecer os frutos de nossas ações ao Senhor e submeter-lhe o nosso sentimento de ego. Precisamos rezar a Deus, pedindo-lhe o perdão de nossas dívidas, de tal modo que, por sua graça, transcendamos o karma e alcancemos a união com Ele.

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E não nos deixeis caír em tentação, mas livrai-nos do mal: porque vosso é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém.

Muitos acham de difícil entendimento esta parte da Oração do Senhor. Como é possível, perguntam, que Deus tente a alguém? Alguns eruditos, concluindo que Jesus não poderia ter dito estas palavras, debruçaram-se sobre os textos originais e geraram novas traduções, esperando com elas chegar a um sentido mais coerente com a compreensão que tinham do Evangelho de Cristo. Mas, ao estudante do Vedanta, a Oração é compreensível, exatamente como a encontramos aqui. Não é o universo todo uma gigantesca tentação? O próprio Deus invocou a mágica da criação, da preservação e da destruição através de ínaya, este poder cósmico que é a base do universo da mente e da matéria. Fascinado por maya o homem não enxerga que Deus, o Atman, habita dentro do seu próprio coração. Pelo contrário, ele vê o universo múltiplo e deseja gozar de seus objetos e atrações através dos sentidos, que se voltam para fora. Esquecido de Deus, torna-se escravo das tentações do maya de Deus, e vive na escravidão da ignorância e dos anseios do seu ego. O processo que ocorre quando o homem sucumbe à tentação vem descrito no Gita:

"Pensar nos objetos sensíveis fará com que te apegues aos objetos sensíveis; continua apegado e te tomaras viciado; contraria o teu vício e ele se transforma em raiva; fica raivoso e a tua mente se perturba; perturba a tua mente e te esquecerás das lições da experiência; esquece a experiência e perderás o discernimento; perde o discernimento e não alcançarás o único propósito da vida.”

O vedantista vê uma alegoria da tentação de maya na história do Jardim do Éden. Adão simboliza Atman, o Eu divino; Eva, o intelecto de Adão; a serpente, maya. Como Eva (o intelecto) se rende à tentação, Adão também sucumbe: também ele come do fruto proibido. Esquece-se de sua natureza divina, reconhece o bem e o mal e experimenta, em vez do Paraíso, o universo do tempo, do espaço e da relatividade.

Sri Ramakrishna costumava rezar a Deus como a Mãe Divina, e reconhecia em sua prece a tentação de Deus:

"Refugio-me a teus pés santificados.... Por favor, Mãe, concede a mim, teu filho, que não seja iludido pelo teu maya do mundo encantado.”

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Sri Ramakrishna costumava rezar a Deus como a Mãe Divina, e reconhecia em sua prece a tentação de Deus:

"Refugio-me a teus pés santificados.... Por favor, Mãe, concede a mim, teu filho, que não seja iludido pelo teu maya do mundo encantado.”

Com freqüência comparava ele a Mãe Divina a uma mãe terrena que dá brinquedos ao filho. A mãe se dedica a seus afazeres domésticos, enquanto a criança está alegre com seus brinquedos. Basta, porém, que ele se canse de brincar, passe a gritar por ela, e a mãe larga o trabalho, corre para o filho e o toma nos braços. Enquanto nos satisfazemos ocupando-nos com as coisas deste mundo, a Mãe Divina deixa-nos brincar. Mas, tão logo nos desviamos da sua criação e nos inquietamos por ela, ela gentilmente se revela a nós.

Para escapar de maya e reconquistar nossa liberdade e perfeição, precisamos refrear os sentidos passageiros e voltar-nos para dentro, onde Deus se encontra; precisamos refugiar-nos em Deus e rezar pedindo a graça divina. Diz Sri Krishna: "Como é duro de quebrar este meu maya...! Mas só quem se refugia dentro de mim conseguirá vencer maya, somente esse e nenhum outro.”

Quando vencemos maya e Deus se revela a nós, então vemos que "Da Alegria brota este universo, na Alegria este universo existe e para a Alegria ele retornará". Vivenciamos Deus em qualquer lugar, dentro de cada criatura, de cada objeto, e reconhecemos que isso é "o reino, o poder e a glória para sempre".

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Pois, se perdoardes aos homens os seus delitos, também o vosso Pai celeste vos perdoará;

Se, porém, não perdoardes aos homens, os seus delitos, também o vosso Pai não vos perdoará.

Enquanto não nos firmarmos na virtude do perdão, não alcançaremos a pureza de coração que nos propicia a visão de Deus. A prática do perdão é, pois, de importância fundamental para o aspirante à espiritualidade. No Sermão da Montanha, como vimos, Cristo insiste repetidamente nesta prática. Ele ensina a clemência, a reconciliação e o perdão das dívidas. Mas, além do Sermão, os Evangelhos registram muitos exemplos em que Cristo prega o perdão, tanto preceituando como dando, ele próprio, o exemplo. Quando Pedro lhe perguntou: "Senhor, quantas vezes meu irmão pode pecar contra mim, e eu devo perdoá-lo? Até sete vezes?" Respondeu Cristo: "Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete.”

Cristo jamais condenou os que prejudicaram os outros ou a ele próprio. “Abençoou-os, dizendo: “Vai e não peques mais”, „Teus pecados estão perdoados”. E na sua oração da cruz, pediu ele ao Pai que perdoasse a ignorância dos homens, "porque eles não sabem o que fazem".

Todos os grandes mestres espirituais enfatizaram a importância do perdão na vida espiritual. Disse Buda:

"Se um homem tolamente me prejudicar, dar-lhe-ei em troca a proteção do meu amor incansável; quanto maior o mal que dele vier, maior o bem que sairá de mim... Limpa o teu coração da malícia e cuida de não odiar, nem mesmo teus inimigos; antes, abraça com bondade todos os seres.”

Concordam esses mestres que, se nos faltar o perdão, se guardamos pensamentos de raiva ou ódio, causaremos mal a nós próprios bem como aos demais. Eles nos orientam a fim de que ergamos ondas opostas de pensamentos — pensamentos de amor e compaixão — de tal modo que fiquemos em paz com o mundo e conosco mesmos.

Por que é difícil para a maioria de nós seguir o ensinamento do perdão? Porque quando alguém nutre inimizade por nós, reagimos, sentindo-nos feridos. E o que fica mais ferido? O ego. O perdão talvez seja a maior de todas as virtudes, pois, se podemos perdoar realmente aos homens os seus abusos, colocamo-nos acima do ego, que nos impede a visão de Deus.

Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; pois eles desfiguram o rosto para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.

Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto;

Para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em oculto; e teu Pai, que vê em oculto, te recompensará publicamente.

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A leitura do evangelho de Cristo torna claro que ele ensinava o ideal da renúncia, exatamente como tem sido ensinado por todos os grandes videntes da verdade: Se você deseja realmente a Deus, precisa abandonar o dinheiro. Como a mensagem de Rama, Krishna, Buda e todos os outros avatares, a mensagem de Cristo é universal: vida espiritual sem renúncia é impossível. Em suas próprias palavras:

"Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas aquele que, por amor de mim, perde a sua vida, a encontrará. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou o que poderá dar o homem em troca da sua alma?”

O que vem a ser, de fato, negar a si mesmo, renunciar? Não significa livrar-se do mundo e de seus deveres. Significa abandonar o egoísmo, o sentimento de "eu" e de "meu". Significa amar a Deus com todo o coração, alma e mente. Sri Ramakrishna dizia: "Por que o amante de Deus renuncia a tudo por amor daquele que ama? Depois que vê a luz, a mariposa não volta mais para o escuro; a formiga morre no monte de açúcar, mas não recua dele. Assim, de bom grado, o amante de Deus sacrifica a vida para alcançar a bem-aventurança divina, não se apegando a mais nada.”

Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa?

Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem a juntam em celeiros; e o vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós mais valor do que elas?

E qual de vós, com todos os seus cuidados, pode acrescentar um côvado a sua estatura?

E, quanto à roupa, por que andais preocupados? Olhai para os lírios do campo, como crescem; eles não trabalham nem fiam:

E eu vos digo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles.

Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã será lançada ao forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?

Milhões de pessoas conheceram estas palavras desde a infância, julgando-as belas, porém, impraticáveis. Preferem o lugar-comum da sabedoria mundana: "Confia em Deus e mantém seca a tua pólvora." E estão certos, na medida em que decidem viver segundo os valores deste mundo. Os preceitos de Cristo são impraticáveis para as pessoas que não se dedicam inteiramente a Deus. Mas, se você procura realmente o reino do céu, então não se preocupará com o lugar onde vive, com o que come ou onde dorme. Houve no passado homens e mulheres, e há alguns ainda hoje, que viveram e vivem nesse espírito de completa dependência em relação ao Senhor.

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Alguns monges peregrinos da Índia fazem voto de não buscarem esmolas durante determinados períodos. Põem-se em posição de meditação e nada fazem em prol de si mesmos. Nenhum deles que assim age jamais morre de fome. Vários discípulos de Sri Ramakrishna praticaram semelhante austeridade, e de um jeito ou de outro sempre receberam alimento suficiente para se sustentarem. A experiência desses devotos de Deus prova que o ensinamento de Cristo sobre a renúncia perfeita pode ser observado sem nenhum risco.

Por isso não andeis preocupados dizendo: Que iremos comer? Ou, que iremos beber? Ou, que iremos vestir?

(Porque todas essas coisas os gentios procuram.) De certo, vosso Pai celestial sabe que necessitais de todas estas coisas.

Mas buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.

Sri Ramakrishna ensinou a mesma verdade: "O homem santo não pode acumular bens. Pássaros e monges peregrinos não fazem provisão para o dia seguinte." E foi criticado por ensinar tal preceito aos jovens que vinham a ele em busca de orientação religiosa, em vez de encorajá-los a viverem vidas "úteis" no mundo. Ele sabia que nem todos podem viver o ideal da renúncia total; por isso recomendava a autonegação total somente a futuros portadores de sua mensagem. Mas esperava também que os discípulos chefes de família praticassem a renúncia e a auto-submissão. Dizia-lhes ele que cumprissem as suas obrigações com espírito de desapego, da maneira como uma aia cuida afetuosa e conscientemente do filho de seu amo, sabendo embora que não lhe pertence. E pedia-lhes que se resignassem inteiramente à vontade de Deus: "Ele os colocou neste mundo. Que podem vocês fazer? Submetam-se a Ele!”

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Namasté

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