domingo, 24 de abril de 2011

Meditação ou Atenção

A Essência do Budismo

A prática da plena atenção denomina-se trenpa em tibetano, o que literalmente significa ‘lembrança’. Antes que a percepção surja na meditação, o meditador precisa aprender a concentrar a mente, o que é obtido pela prática da plena atenção. Usamos um objeto específico para praticar a plena atenção. Quando esta é praticada por um certo período de tempo, a percepção surge como um produto da plena atenção.

Quando tivermos conseguido fazer isso com certo sucesso, passamos a usar a própria mente como objeto da meditação. Tentamos estar atentos aos pensamentos e emoções à medida que surgem, sem rotulá-los nem julgá-los; simplesmente observando-os. À medida que a observação prossegue, a plena atenção se transforma em percepção. Assim, se surgirem distrações, a pessoa se apercebe delas; se o embotamento ou torpor estiver presente na mente, a pessoa apercebe-se da presença. Com a prática da meditação da tranquilidade, a mente torna-se mais estabilizada.

Quando contemplamos a própria mente e a deixamos em seu estado natural, além da estabilidade mental, deve surgir também uma sensação de clareza. Não basta a mente ter se tornado estável; também é importante haver clareza. Nos ensinamentos Mahamudra, esses aspectos são descritos como ne cha, o aspecto da estabilidade, e sal cha, o aspecto da clareza. Uma mente estável, mas sem clareza, é deficiente. Tanto a clareza mental como a estabilidade precisam estar presentes. Se perseguirmos esse objetivo, mesmo quando surgirem pensamentos e emoções, a estabilidade e a clareza da mente não serão perturbadas.

Manter a clareza mental, quer a mente esteja calma ou agitada, é a melhor forma de meditação. Meditação não significa que a mente deva estar sempre calma ou vazia de pensamentos e emoções. Uma sensação de estabilidade ou clareza mental, mesmo quando a mente está em movimento, constitui o objetivo supremo. Pois nossa intenção não é erradicar pensamentos e emoções, mas conseguir manter aquela sensação de percepção no estado de movimento tanto quanto de repouso. Os ensinamentos Mahamudra utilizam expressões como ne gyu rik sum. Ne significa mente estável, e não agitada; gyu significa mente em movimento, quando surgem pensamentos e emoções; rik significa apercepção, aquela sensação de clareza mental; sum significa três. Assim, a percepção está presente na mente, quer em um estado de repouso, quer em um estado de movimento. Isso não faz diferença.

Quando conseguimos isso, percebemos a natureza da mente. Pela percepção, entendemos que a natureza da mente possui a característica dual de ser vasta, mas luminosa.

A natureza da mente não é apenas vazia, mas luminosa ao mesmo tempo.

Sob esse aspecto, é justamente quando, na meditação, a mente não faz distinção entre agitação mental e um estado de tranquilidade. Então ela é deixada em seu estado natural, assim pensamentos e emoções são liberados.

Os ensinamentos Mahamudra também dizem que não devemos pensar em pensamentos e emoções – particularmente negativos – como coisas que devem ser erradicadas. Se conseguimos compreender a natureza desses pensamentos e emoções, passamos a perceber a natureza desses pensamentos e emoções, passamos a perceber a natureza da própria mente. Os ensinamentos comparam a relação entre a natureza da mente e as delusões a um lótus florindo no lodo, ou ao esterco usado em um campo. Assim como um lótus floresce no lodo, assim como o fazendeiro precisa recorrer ao esterco malcheiroso e repulsivo para cultivar um campo, a sabedoria não é obtida pela erradicação das impurezas e dos obscurecimentos da mente, mas pela percepção da natureza deles.

Reza uma frase tibetana cuja tradução é: "Tendo abandonado ou erradicado as delusões e confusões conceituais da mente, não se pode mais falar de sabedoria. A sabedoria não é obtida da erradicação das impurezas, mas da compreensão da natureza das próprias impurezas".

É por isso que a expressão "mente comum" (thamal gye shepa) é utilizada nos ensinamentos Mahamudra. Perceber a natureza da mente, ou natureza búdica, não envolve livrar-se de nada que exista na mente, e sim perceber a natureza da mente que temos: aquela que pensa, deseja, prevê e sente. O problema não está em ter pensamentos, sentimentos e emoções, mas em não entender sua natureza. Pela prática da meditação, a mente torna-se mais estabilizada e há uma sensação de clareza mental. Então, quando não se tenta controlar a mente, se a percepção é mantida à medida que surgem pensamentos e emoções, esses pensamentos e emoções revelam a natureza da mente tanto quanto a mente que está em repouso.

Do ponto de vista Mahamudra, é importante não tentar forçar a mente a tornar-se mais concentrada. Devemos simplesmente usar os métodos brandos de concentração e relaxamento para que a mente possa estar em seu estado natural. Se tentarmos usar técnicas de concentração, diz-se que, na verdade, a mente não é deixada em seu estado natural. Devemos deixá-la em seu estado natural sem quaisquer artifícios.

Pang lang dang drelwa é outra expressão usada nos ensinamentos Mahamudra. Pang significa ‘abandonar’; Lang significa ‘cultivar’; dang drelwa significa ‘livre de’: "Livre de qualquer pensamento de cultivo de qualidades mentais positivas ou de abandono de pensamentos e emoções negativas". Nossa mente deve estar livre de tais preocupações. Na medida em que é acossada por tendências de querer evitar ou abandonar certos aspectos considerados indesejáveis e perseguir e cultivar os aspectos mais positivos, a mente não é deixada em seu estado natural e sua natureza é obscurecida pela interferência.

Assim, a técnica simples de não interferir na mente deve ser conduzida através do esforço ou relaxamento do corpo e da mente. Nem mesmo esses dois métodos devem ser aplicados com extrema deliberação ou esforço. Outra expressão nos ensinamentos Mahamudra é "deixar a mente em seu estado natural sem esforço". Essa ausência de esforço advém de não julgar, de não pensar que os pensamentos e emoções que surgem perturbam, de alguma forma, a mente, ou atrapalham a meditação; mas de perceber que, enquanto nossa mente estiver concentrada e houver uma sensação de percepção, não importa o que surgir nela – esteja ela estável e em repouso, ou em um estado de movimento com pensamentos e emoções surgindo –, poderemos perceber sua natureza.

Desse modo, tranquilidade e discernimento são praticados juntos nos ensinamentos Mahamudra. A meditação da tranquilidade é inicialmente praticada para estabilizar a mente. Depois, gradualmente, mudando-se o foco dos objetos da meditação, como objetos físicos externos ou a respiração, para a própria mente, o aspecto da clareza é desenvolvido. Quando praticamos a meditação, esses dois aspectos estão presentes: a mente estável e, ao mesmo tempo, luminosa. A mente fica estável mesmo quando surgem pensamentos e emoções, na medida em que a percepção não seja perdida. A estabilidade da mente não decorre do surgimento ou não de pensamentos ou emoções, mas da presença da percepção. Quando esta está presente, o terceiro aspecto da natureza da mente – denominado bem-aventurança – torna-se manifesto.

Em última análise, a natureza da mente tem três qualidades: ela é vazia; segunda, mesmo sendo vazia, ela é luminosa; terceira, quando nossa mente está estabilizada e conseguimos manter a percepção, mesmo quando a mente está ocupada com pensamentos e emoções, experimentamos a bem-aventurança. Uma vez fixada a estabilidade e a clareza durante a meditação, segue-se a bem-aventurança, porque a nossa mente não é mais perturbada, mesmo quando surgem pensamentos e emoções. Esse é o aspecto da bem-aventurança. Obviamente, isso não significa que nos tornamos paralisadas pela bem-aventurança.

De acordo com os ensinamentos Dzogchen, ou com o que às vezes se denomina Maha Ati em sânscrito, a natureza da mente possui os aspectos do vazio, da clareza e da ‘criatividade’. A natureza da mente pode ser vazia e luminosa, mas isso não significa que pensamentos e emoções deixem de ter relevância. Praticar a meditação durante alguns anos não significa que os pensamentos e emoções deixam de surgir na mente, mas que eles não a perturbam mais, o que é visto como o aspecto criativo. No Dzogchen isso chama-se tsal, que significa ‘criativo’ no que se refere a nossas experiências. Tudo na experiência do samsara e do nirvana advém do aspecto criativo da mente, no sentido de que ela é produtora de todo tipo de experiência, boa e má. Nas palavras de Saraha: "A natureza da mente é a soberana de todos os criadores, porque todas as nossas experiências do samsara e do nirvana surgem dela". Tudo é dependente da mente; mesmo a nossa percepção do mundo físico externo é dependente da mente.

A natureza da própria mente denomina-se Mahamudra, porque mahamudra, ou "grande selo", significa que nada existe fora dela. Tudo está contido no próprio Mahamudra, já que o aspecto do vazio é o mesmo nos fenômenos físicos e mentais. Ele é universal.

Traleg Kyabgon

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