quarta-feira, 13 de abril de 2011

Eu Sou...? / + BB King - How Blue...


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S. Nisargadatta Maharaj

Pergunta: É um fato da experiência diária que, ao despertarmos, o mundo repentinamente aparece. De onde ele vem?

Maharaj: Antes que algo possa chegar a ser, deve existir alguém a quem ele chega. Todo aparecimento e desaparecimento pressupõem uma mudança em relação a um fundo imutável.

P: Antes de despertar, eu estava inconsciente.

M: Em que sentido? No de haver esquecido ou no de não ter experimentado? Você não experimenta mesmo estando inconsciente? Você pode existir sem conhecer? Um lapso na memória é uma prova de inexistência? E você pode falar com validade sobre sua própria inexistência como uma experiência real? Nem sequer pode dizer que sua mente não existia. Não despertou ao ser chamado? E, ao despertar, não foi o sentido de “eu sou” que chegou primeiro?
Alguma semente de consciência deve ter existido inclusive durante o sonho ou o desmaio. Ao despertar, a experiência é assim: “Eu sou o corpo no mundo”. Pode parecer que surja na seqüência, mas, de fato, tudo é simultâneo, uma única idéia de ter um corpo no mundo. Pode existir o sentido de “eu sou” sem ser alguém ou outro?

P: Eu sempre sou alguém com recordações e hábitos. Não conheço outro “eu sou”.

M: Talvez algo o impeça de conhecer? Quando você não sabe o que os demais sabem, o que faz?

P: Busco a fonte de seu conhecimento sob sua instrução.

M: Não é importante para você saber se é um mero corpo ou outra coisa? Ou talvez nada em absoluto? Não vê que todos os seus problemas são os problemas de seu corpo – alimento, vestuário, casa, família, amigos, nome, fama, segurança, sobrevivência. Tudo isto perderá seu significado no momento em que você compreender que talvez não seja um mero corpo.

P: Que beneficio há em saber que não sou o corpo?

M: Mesmo dizer que você não é o corpo não é totalmente verdadeiro. Em um certo modo você é todos os corpos, corações e mentes, e muito mais. Aprofunde-se no sentido de “eu sou” e você encontrará. Como você encontra algo que você perdeu ou esqueceu? Você o mantém na mente até que lembre dele. O sentido de ser, de “eu sou”, é o primeiro que surge. Pergunte-se de onde ele vem ou simplesmente observe-o calmamente. Quando a mente permanece no “eu sou” sem mover-se, você entra em um estado que não pode ser verbalizado, mas pode ser experimentado. Tudo o que necessita fazer é tentar e tentar novamente. Depois de tudo, o sentido de “eu sou” sempre está com você, apenas você acrescentou a ele todo tipo de coisas: o corpo, sentimentos, pensamentos, idéias, posses, etc. Todas estas auto-identificações são errôneas. Devido a elas você acredita ser o que não é.

P: Então, que sou eu?

M: É suficiente saber o que você não é. Não necessita saber o que é. Enquanto o conhecimento significar descrição em termos do já conhecido, oriundo da percepção, ou conceptual, não poderá haver conhecimento de si mesmo, pois tudo o que se é não pode ser descrito, exceto como negação total. Tudo que você pode dizer é: “Eu não sou isto, eu não sou aquilo”; você não pode dizer significativamente “isto é o que sou”. Simplesmente não tem sentido. O que pode assinalar como “isto” ou “aquilo” não pode ser você. Também não pode ser “outra coisa”. Não é algo que possa ser percebido ou imaginado. E, por sua vez, sem você, não pode haver percepção nem imaginação. Observe o sentir do coração, o pensar da mente, o atuar do corpo – o próprio ato de perceber mostra que você não é o que percebe. Pode haver percepção ou experiência sem você? Uma experiência tem que “pertencer” a alguém. Alguém deve vir e a proclamar como própria. Sem um experimentador, a experiência não é real. O experimentador é o que dá realidade à experiência. Uma experiência que você não possa ter, que valor tem para você?

P: O sentido de ser o experimentador, o sentido de “eu sou”, não é também uma experiência?

M: Obviamente, tudo o que se experimenta é uma experiência. E, em cada experiência, surge seu experimentador. A memória cria a ilusão de continuidade. Na realidade, cada experiência tem seu próprio experimentador, e o sentido de identidade se deve ao fator comum na raiz de todas as relações entre experimentador e experiência. A identidade e a continuidade não são a mesma coisa. Exatamente como cada flor tem sua cor própria, mas todas as cores são causadas pela mesma luz, do mesmo modo aparecem muitos experimentadores na Consciência não dividida e indivisível, cada um separado na memória, mas idênticos em essência. Esta essência é a raiz, a base, a “possibilidade” atemporal e ilimitada de toda experiência.

P: Como posso chegar a ela?

M: Você não necessita chegar a ela, já que você é ela. Se você lhe der uma oportunidade, virá a você. Abandone seu apego ao irreal e o real aparecerá por si mesmo, suave e tranquilamente. Deixe de imaginar-se sendo ou fazendo isto ou aquilo, e a compreensão de que você é a fonte e o coração de tudo despontará em você. Com isto surgirá um grande amor que não será escolha ou predileção, nem apego, mas um poder que fará todas as coisas dignas de amor.

Esse sentido de ser (o "eu sou") permea o universo inteiro e, de sua força gravitacional, nascem todas as coisas. Trata-se d'Aquele "Amor que move o Sol e as outras estrelas", do Deus onipresente das escrituras, do "Alpha e o Omega".

Nos seres senciêntes, ele gera a sensação de ser e, consequentemente a idéia de indivudualidade - portanto, de separação - necessária para que essa divina comédia, essa peça baseada na dualidade, possa se manifestar.

A libertação (auto-realização ou iluminação) representa a clara realização de que, em verdade, não somos esse corpo-mente que acreditávamos ser, mas somos esse mesmo Ser impessoal, Aquilo que é a origem de todo o mundo manifesto.

Descobrimos Aquilo quando, verificados todos os atos falhos da mente para contê-lo, finalmente aceitamos essa impossibilidade e, no silêncio dessa entrega, nesse abandono descobrimos uma espécie de "outro sentido"... alèm de qualquer sentido. Uma apercepção da unidade evidente que somos enquanto Consciência inclusiva. Um olhar claro e puro que denota esse esplêndido paradoxo (nem isso nem aquilo.....issso e aquilo), essa atenção pacífica.... essa infinita e desconfinada planície sem tempo, o Ser impessoal que é o Amor e nosso verdadeiro lar.

Esse é o alcance que a descoberta de não ser uma entidade individualizada nos regala.
Essa é "boa nova".

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