"O problema, por consequência, não é de como libertar a mente do temor, ou de como tê-la tranquila, para dissolver o temor, mas: se o medo pode ser compreendido. Embora eu tenha medo de várias coisas -— de meu patrão, de minha esposa ou marido, da morte, de perder o meu depósito no banco, da opinião dos meus vizinhos, da frustração, de perder minha importância pessoal — esse medo, em si, é o resultado de um processo total, não é? Isto é, o “eu”, o “ego”, em sua atividade, “projeta” o medo. A substância é o pensamento concernente ao “eu”, e sua sombra é o medo; e, evidentemente, não adianta batalhar contra a sombra, a reação. O “eu” está-se protegendo, ansiando, esperando, desejando, lutando; e constantemente compara, pesa, julga; aspira ao poder, à posição, ao prestígio, aspira a ser respeitado; e pode esse “eu”, fonte do temor, deixar de existir, não para todo o sempre, mas momento por momento? Quando se apresenta o sentimento de temor, pode a mente ficar cônscia dele, examiná-lo sem condenação, julgamento, escolha? Porque, no momento em que começamos a julgar, a avaliar, é uma parte do “eu” que está dirigindo, e, portanto, condicionando o nosso pensamento, não é exato?
Posso, pois, estar cônscio da minha avidez, da minha inveja, momento por momento? Estes sentimentos são expressões do “eu”, do “ego”, não é verdade? O “ego” é sempre o “ego”, em qualquer nível que o coloquemos. Seja “superior”, seja “inferior”, o “eu” está sempre compreendido na esfera do pensamento. E posso eu estar cônscio desses sentimentos, ao surgirem, momento por momento? Posso descobrir sozinho as atividades do meu “ego”, quando, por exemplo, converso à mesa, quando jogo, quando escuto, quando me acho num grupo de pessoas? Posso estar cônscio dos ressentimentos acumulados, do desejo de causar impressão, de ser alguém? Posso descobrir que sou ávido e estar cônscio da minha condenação da avidez? A própria palavra “avidez” é uma condenação, não achais? Estar cônscio da avidez é também estar cônscio do desejo de ficar livre dela, e é perceber porque desejamos ser livres dela — é perceber todo o processo. Isso não é um modo de agir muito complicado; sua significação pode ser apreendida imediatamente. Começamos, pois, a compreender, momento por momento, o crescimento constante do “eu”, com sua presunção, suas “autoprojeções” — sendo tudo isso, basicamente, fundamentalmente, a causa do temor. Mas se não se pode empreender nenhuma ação para nos libertarmos da causa, o que nos cabe fazer, então, é só estar cônscios dela. Quando desejamos estar livres do “ego”, esse próprio desejo faz também parte do “ego”; tendes, pois, uma batalha constante no “ego”, em torno de duas coisas desejáveis, entre a parte que deseja e a parte que não deseja. Quando nos tornamos cônscios do que se passa no nível consciente, começamos também a descobrir a inveja, as lutas, os desejos, os impulsos, as ansiedades existentes nos níveis mais profundos da consciência. Quando a mente está muito interessada em descobrir o processo total de si mesma, então cada incidente, cada reação transforma-se num meio de descobrimento, de autoconhecimento. Isso requer paciente vigilância, a qual não pode ser exercida por uma mente que está sempre lutando, sempre a aprender “como” ser vigilante. Vereis, assim, que as horas de sono são tão importantes como as horas de vigília, pois a vida é então um processo total. Enquanto não conhecerdes a vós mesmo, o temor continuará a existir, e todas as ilusões criadas pelo “eu” prosperarão. O autoconhecimento, pois, não é um processo que se aprende em leituras, ou a respeito do qual se pode especular: ele tem de ser descoberto por cada um de nós, momento por momento, o que faz com que a mente se torne sobremaneira vigilante. Nessa vigilância há uma certa aquiescência, um percebimento passivo em que não existe desejo de ser ou de não ser, e em que se encontra um maravilhoso sentimento de liberdade. Pode ele durar só um minuto, um segundo, apenas, mas tanto basta. Essa liberdade não é produto da memória; é uma coisa viva. Entretanto, a mente, depois de prová-la, a reduz a uma lembrança, e deseja então mais. O estar cônscio desse processo total só é possível pelo autoconhecimento, e o autoconhecimento nasce momento por momento, enquanto observamos nosso falar, nossos gestos, a maneira como falamos, e os motivos ocultos que nos são subitamente revelados. Só então podemos ficar livres do temor. Enquanto existe temor, não há amor. O temor enche-nos de sombras o ser, e esse temor não pode ser lavado por nenhuma reza, ideal, ou atividade. A causa do temor é o “eu”, o “eu” que é tão complexo nos seus desejos, necessidades, ocupações. A mente tem de compreender todo aquele processo; e essa compreensão só pode vir quando há vigilância sem escolha."
(Krishnamurti)
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